É bonito ver o que Pedro Serrano fez com a história de Adoniran Barbosa (1910-1982). Afinal, foi pelas mãos do cineasta que o sambista criador de obras como Samba do Arnesto, Tiro ao Álvaro e Trem das Onze ganhou vida nos cinemas - em diferentes momentos e formatos.
Primeiro com o curta-metragem Dá Licença de Contar, de 2015. Depois, com um documentário sobre a vida de Adoniran, de 2018. E, agora, com o longa-metragem Saudosa Maloca, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 21.
Leia também
Não se trata de apenas uma cinebiografia como as que estão chegando aos montes aos cinemas nos últimos anos - entre as quais Nosso Sonho e Meu Nome é Gal. Dada a complexidade de Adoniran, esse “palhaço triste” que passa por diversas camadas, Saudosa Maloca é o palco de um mundo lúdico em que conhecemos melhor não a vida de Adoniran, mas sim sua imaginação.
O filme nunca conta o nascimento, vida e morte do sambista. O que vemos aqui é a amizade entre ele, Joca e Matogrosso enquanto convivem com personagens que nasceram de seus sambas, como Iracema e Arnesto. Isso, no final, possibilitou uma liberdade criativa.
“Pude criar um Adoniran meu”, resume o músico e ator Paulo Miklos, em uma conversa despojada com o Estadão, no restaurante Balaio, em São Paulo. “Os personagens fictícios tomam vida, o Adoniran convive com suas criações. Isso dá liberdade para criar personagens dos sambas, assim como também me dá uma boa liberdade de criar um Adoniran possível, meu, sem ter que fazer uma imitação, com todos os trejeitos”.
Do curta para o filme
Como Paulo explica, a jornada com o curta e documentário deu o estofo para entender todas as facetas do Adoniran e chegar nesse resultado final – vale lembrar que Miklos viveu o sambista de São Paulo no curta-metragem, participando desse processo na totalidade.
“O curta foi um ensaio. Nós levamos as descobertas para o longa”, diz. “O documentário ajudou a dar um mergulho na história do Adoniran, na parte biográfica da vida dele. Na hora do longa, a gente estava pronto para dar um mergulho com muita tranquilidade”.
Pedro chama a atenção que esse mergulho, sem ir direto para um longa-metragem biográfico ou coisa do tipo, foi necessário para compreender quem era João Rubinato – nome verdadeiro de Adoniran. Além disso, muito da pesquisa foi parar no longa: trechos do programa do Charutinho, onde Adoniran fez muito sucesso com o parceiro Osvaldo Moles, viraram diálogos. Falas em programas de rádio e roteiros também entraram no texto.
“O documentário me fez conhecê-lo”, explica. “Descobri coisas que só os companheiros de boteco podiam contar. Eram histórias do dia a dia. Quebrei essa coisa de que ele era um cara só divertido. Ele também era rabugento. E isso vai para o personagem. A gente queria a essência do Adoniran, com o Paulo na mesma vibração sem cair na imitação.”
As facetas de Adoniran
No final, mais do que celebrar Adoniran Barbosa e sua obra, Saudosa Maloca serve como um facilitador para compreender exatamente quem era essa pessoa, que criou sambas que ainda fazem parte da vida de muita gente.
Há muitas facetas ao redor de Adoniran: o boêmio engraçado, o palhaço triste, o cronista social. Como encontrar algo que o defina, mas sem colocá-lo em uma caixa, com limites e barreiras? Como encontrar sua essência?
Saudosa Maloca é feliz justamente por isso: ao criar um mundo lúdico habitado pelos personagens de João Rubinato (incluindo Adoniran), conseguimos sentir melhor sua obra.
“Adoniran era um artista batalhador e que, para sobreviver, fez várias atividades artísticas. Mais por necessidade do que por gosto. Fez novelas, por exemplo, quando a música já não dava muito sustento”, contextualiza Pedro Serrano.
Leia também
“Ele também era um cara com olhar sensível para o povo, para as pequenas coisas do dia a dia. E tinha esse Adoniran mais no fim da vida, que é a figura que eu tenho fascinação. É um clown, mas um ranzinza, que com uma tirada fazia dar uma gargalhada. Tinha um olhar fora da curva para o cotidiano”, completa.
Miklos, que se declara fã de Adoniran, continua: “Era um poeta com capacidade incrível de escuta, que entendia do que o povo precisava”, diz. “Ele nos aproxima desses personagens e cria empatia por meio das tragédias, dos perrengues e das dificuldades da vida”, finaliza o ator - e cantor.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.