Nem Russell Crowe nem Denzel Washington. A atuação masculina mais impressionante no Oscar deste ano é a de Sean Penn no filme Uma Lição de Amor, de Jessie Nelson. Chama-se, no original, I Am Sam. Penn é Sam. É um adulto que tem a idade mental de 7 anos. Um retardado, embora a definição esteja sendo banida do vocabulário cotidiano das pessoas, como politicamente incorreta. O filme que estréia nesta sexta-feira até joga com esse conceito do incorreto. A advogada representada por Michelle Pfeiffer nunca sabe direito como definir seu cliente: deficiente, retardado? A filha de Penn no filme não tem essas dúvidas. Um coleguinha lhe pergunta: por que seu pai age como retardado? Ela responde, singelamente: ele é retardado. Este ano, as apostas dos críticos no Oscar ficam divididas entre Russell Crowe, por Uma Mente Brilhante, e Denzel Washington, por Dia de Treinamento. Todo mundo acha que, no ano em que vai dar um Oscar especial a Sidney Poitier, em reconhecimento à carreira do maior astro negro dos anos 60, a Academia de Hollywood poderá (e até deverá) premiar também um ator ou atriz afro-americano. Halle Berry concorre por A Última Ceia, que também estréia amanhã. É arrasadora . Entre os homens há dois concorrentes negros e fortes: Denzel e Will Smith (por Ali). Além desses dois, há Russell Crowe, que já ganhou o prêmio do actor´s Guild e poderá bisar a estatueta que conquistou no ano passado, por Gladiador. Nesse quadro, Sean Penn é azarão, como o Tom Wilkinson de Entre Quatro Paredes. Uma Lição de Amor é o tipo do filme que os críticos descartam como apelativo. A atuação de Sean Penn também pode ser definida como uma daquelas de olho no Oscar. Pode ser, mas Crowe não é menos polêmico por sua criação de um esquizofrênico acometido de surtos de paranóia em Uma Mente Brilhante. Penn segue a trilha de Cliff Robertson em Os Dois Mundos de Charly, de Ralph Nelson; de Dustin Hoffman em Rain Man, de Barry Levinson; e de Geoffrey Rush em Shine - Brilhante, de Scott Hicks, todos vencedores do prêmio. Impressiona mais do que qualquer um deles, acredite. Há momentos genuinamente humanos na história do retardado que cuida da filha e um dia a criança lhe é retirada. A Justiça, julgando o pai incapaz, quer dar a guarda a uma família que tenha condições de criar e proteger a menina. A primeira luta do personagem de Penn é arranjar um bom advogado. No caso, advogada - Michelle. É a doutora Rita Johnson. Cobra caro, tudo o que Sam não tem. Quando ela aceita, não é por ser mulher e identificar-se com a exclusão social do retardado, todo esse papo furado. É uma carreirista. É pega pela palavra, ao exibir-se para os outros. Termina ganhando com isso. É o que ela diz no final, quando tudo parece estar perdido. A advogada admite que ganhou mais do que seu paciente no caso. É o conceito do filme e isso é Hollywood. O outro, o diferente, o doente é sempre o álibi para que as pessoas ditas normais possam aprimorar-se. Dá para citar 200 filmes que usam a fórmula. Aqui vão dois: Filadélfia, de Jonathan Demme, e Meninos não Choram, de Kimberly Pierce, ambos também premiados com o Oscar. Jessie é manipuladora, claro, mas qual diretor não é? Alfred Hitchcock transformou o suspense numa das mais belas artes manipulando a emoção do público e ninguém é mais manipulador do que Lars Von Trier na hedionda cena do assassinato e, depois, na da execução de Dançando no Escuro. Michelle Pfeiffer, habitualmente talentosa, além de linda, falha na que deveria ser sua grande cena, quando Sam, numa crise de autocomiseração, grita que pessoas como a advogada não sabem o que é sofrimento. Rita se desnuda como mulher, como mãe. Seu choro não convence. Penn faz a diferença. Seu personagem idolatra os Beatles. Sabe tudo sobre John, Paul, George. A trilha recria hits dos Beatles com outros cantores e numa cena Sam e seus amigos retardados atravessam a rua reproduzindo a célebre foto da capa de Abbey Road. Um dos amigos freaks do herói é fã de cinema. Sabe tudo sobre ...E o Vento Levou e O Mágico de Oz, ambos de Victor Fleming. Transforma a luta de Sam numa reedição da de Dustin Hoffman em Kramer versus Kramer, de Robert Benton. Isso possibilita uma boa cena no tribunal, quando Sam repete uma fala famosa de Hoffman. São detalhes, mas qual filme não é feito de detalhes? Por meio desses, a diretora Jessie Nelson não deixa de comentar o que é a manipulação dos sentimentos, segundo Hollywood. Serviço - Uma Lição de Amor (I Am Sam). Drama. Direção de Jeffie Nelson. EUA/2001. Duração: 132 min.
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