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Opinião|‘Segredos de um Escândalo’ é comédia trágica e pode ser um dos melhores filmes de 2024; leia crítica

Longa é inspirado em caso de pedofilia, concorreu ao Globo de Ouro e é cotado ao Oscar. Com um elenco formidável, diretor Todd Haynes ri da sociedade e aponta a montanha de mentiras que nos move

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Foto do author Matheus Mans

Antes mesmo de estrear no circuito de exibição no Brasil, o filme Segredos de um Escândalo passou por um processo de discussão (talvez, ainda, de polemização) ao redor de sua indicação ao Globo de Ouro. Na dicotomia do prêmio entre produções de drama e de comédia, o longa concorreu à segunda categoria.

Como pode? Afinal, tudo na história de Segredos de um Escândalo, que chega aos cinemas nacionais nesta quinta-feira, 18 de janeiro, indica que é um drama dos bons – talvez até para chegar no ponto de dramalhão.

A trama acompanha a atriz Elizabeth (Natalie Portman) visitando a pessoa que vai inspirar sua próxima personagem nos cinemas. Essa tal inspiração é Gracie (Julianne Moore), uma pacata dona de casa que vive fazendo bolos para a vizinhança. Ela tem uma estranha relação com o marido, Joe (Charles Melton), que é consideravelmente mais novo do que ela.

Pior: mesmo com 36 anos de idade, ele já está com uma filha na faculdade e outros dois acabando o colégio. A conta não fecha. É a partir dessa diferença de idade, exposta por uma conversa desconfortável entre Elizabeth e Joe, que o diretor Todd Haynes nos coloca nesse furacão familiar. No entanto, não se engane: o filme vai bem além de conflitos.

Uma comédia trágica

E é aí que voltamos para a discussão sobre a categoria na qual Segredos de um Escândalo foi submetida no Globo de Ouro. Nessa trama, que pode até parecer uma história de novelas clássicas de Manoel Carlos, mas ambientada no subúrbio norte-americano, não há nada de banal. Nada de clássico. Haynes retorna às suas origens como um cineasta que gosta de cutucar a sociedade (vide o ótimo Longe do Paraíso, de 2002), e rir das mentiras.

Oras, a mentira tem algo de cômico. Por que, exatamente, uma pessoa mente? Para parecer melhor do que outra. Para fingir que as coisas estão dando certo quando, na verdade, estão caindo como um castelo de cartas. Para manter seu status quo. Tudo isso, no fim das contas, é ridículo. É tosco. Haynes sabe disso e aplica essa sensação no filme.

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Julianne Moore como Gracie Atherton-Yoo e Charles Melton como Joe em 'Segredos de um Escândalo'. Foto: Netflix/Divulgação

O diretor não leva Elizabeth e Gracie a sério – como mostra uma cena logo no começo da trama, quando a personagem de Julianne Moore abre a porta da geladeira, a câmera dá um close, a trilha sonora surge retumbante e, no final, a ouvimos apenas praguejar que precisa de mais salsichas.

Ele sabe que essas duas personagens vivem em uma farsa e, por isso, as absorve como uma comédia social do ridículo. Segredos de um Escândalo ri da sociedade.

Mais: Haynes, a partir dessa trama escrita por dois estreantes, Samy Burch e Alex Mechanik, também condena o cinema, enquanto ri dessa máquina que é Hollywood. Ao lado de uma atuação irretocável de Natalie Portman, em seu melhor papel desde Cisne Negro, mostra como as engrenagens dessa indústria funcionam.

Tragédia e ponto final

No entanto, não pense que Segredos de um Escândalo se limita a um único gênero, a um único comentário escrachado. Depois de mostrar como tudo é ridículo, o cineasta trata de apontar o dedo para quem mais importa: aquele que realmente está sofrendo no meio de tudo isso. A sociedade se sustenta em mentiras, mas alguém está pagando o pato.

Charles Melton (Joe Yoo) e Natalie Portman (Elizabeth Berry) em 'Segredos de um Escândalo' Foto: François Duhamel/Netflix/Divulgação

Os últimos 30 minutos do filme são espetaculares. Haynes reverte a narrativa e, de pronto, transforma a comédia em tragédia. Melton, que estava apenas razoável em cena, entrega uma das grandes performances do ano.

E o filme, que tem tudo para ser um dos melhores de 2024, termina numa nota altíssima apontando para nós, sociedade, e perguntando: o que estamos consumindo? Sobre o que mentimos? Quem está pagando por nossas mentiras? Por que mentimos? Dá para dizer que um soco na cara seria menos doloroso.

Opinião por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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