Bruna Linzmeyer tem 32 anos e, por mais raro que isso possa parecer, ela acaba de ser homenageada pelo conjunto da obra. E foi uma homenagem emocionante - durante a 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que segue até este sábado, 1°.
O troféu foi entregue pelos próprios pais dela e pelos cineastas que a dirigiram ao longo de 15 anos de trajetória. Nos palcos, o discurso da catarinense valorizou a atuação enquanto ofício, fugindo à romantização da carreira artística.
A escolha dos organizadores para esta honraria se justifica: desde 2010, ela tem construído uma trajetória abrangente, trabalhando no teatro, no cinema e na televisão.
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Talvez o público a conheça especialmente pelas novelas Meu Pedacinho de Chão, A Regra do Jogo, A Força do Querer e O Sétimo Guardião.
Para o público cinéfilo, trata-se da intérprete dirigida tanto por cineastas veteranos do audiovisual brasileiro (Cacá Diegues, Neville d’Almeida, Daniela Thomas) quanto pelas principais vozes emergentes desta geração (Anita Rocha da Silveira, Juliana Rojas, Marcelo Caetano, Éri Sarmet, Clari Ribeiro, Sabrina Fidalgo, Jeferson De).

Bruna Linzmeyer acumula uma filmografia invejável, incluindo os premiados Baby (em cartaz nos cinemas), Cidade; Campo, Medusa, Alfazema, Se Eu Tô Aqui É por Mistério e Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui.
Em entrevista ao Estadão, Linzmeyer demonstra gratidão por esta fase especial: “Não é sempre que você recebe uma homenagem. Em 2024 eu fiz três trabalhos diferentes, e todos foram exibidos em grandes festivais: Roterdã, Berlim e Cannes. E ainda ganhamos prêmios com estes filmes”. A atriz conta ainda que lança, este ano, uma série para a Max chamada Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente. “São projetos especiais, de lugares muito diferentes — tem série grande, filmes independentes, curtas-metragens. É um momento muito frutífero”, avalia.

Envelhecer é muito bom
Tudo isso faz parte de um novo momento, em que a atriz confessa ter um olhar analítico sobre seus primeiros passos, mas sem cobranças exageradas. “Hoje eu tenho muito mais calma. Envelhecer é muito bom. Tem coisas que, com o passar do tempo, podem parecer cansativas – o corpo muda muito. Mas nos meus 15 anos de carreira, a vida só melhorou.”
Quando reflete sobre o seu percurso, a atriz Bruna Linzmeyer conta que aprendeu, com o tempo, a importância do processo de criação. “Tenho mais carinho para entender que estes começos de processo são pantanosos, desesperadores. Você sente que não tem nada acontecendo, que a personagem nunca vai se construir, e vai dar tudo errado. Fico pensando que é impossível, e não vou conseguir fazer. Mas esse pântano faz parte do processo: preciso sustentar este início de pavor e compreender que as coisas estão se movimentando neste espaço pantanoso.”
Isso, ela explica, se tornou bem mais claro nos últimos quinze anos. “E, por causa disso, tenho hoje muito mais prazer no processo. Não tenho medo: entendo que algumas coisas não vou fazer tão bem, e faz parte. Nem toda cena a gente faz espetacularmente. Eu vou dar o melhor que posso agora, nesse momento. Às vezes a gente fica triste, pensa que foi um dia ruim. Mas foi literalmente só um dia ruim, não é a minha carreira inteira. Essa compreensão foi chegando com a maturidade.”
Ao contrário de diversos artistas, ela gosta de rever suas atuações anteriores e diz que assistir ao que eu já fez é parte do trabalho - algo que credita à experiência na televisão, quando passa meses construindo uma personagem exibida diariamente ao público.
“Trabalhar na televisão permite um tempo de ajuste, porque você pode ver como ficou. É um aprendizado para mim. Eu consigo olhar, ter senso crítico e falar: ‘Isso aqui poderia ter sido feito de outra forma. Se eu tiver a oportunidade de fazer de novo, vou mudar tal coisa’”.

Porém, ela diz que é generosa consigo. “Entendo, por exemplo, que uma cena tenha ficado ruim porque eu estava com medo, ou o set estava caótico naquele dia, ou tivemos pouco tempo de preparação”.
Bruna gosta de misturar - alternar novelas e séries, fazer longas e curtas. Seu próximo projeto, ela revela, é atuar no primeiro curta de ficção da cineasta pernambucana Mayara Santana. “Tem muitas histórias que só estão sendo contadas nos curtas-metragens. É emocionante ser testemunha de alguém fazendo o seu primeiro filme”, diz. Ela cita Uma Paciência Selvagem Me Trouxe Até Aqui e Se Eu Tô Aqui É por Mistério como dois curtas que fizeram o cinema brasileiro “avançar muito na linguagem”. E menciona a importância dos curtas Perifericu, Bonde e Negrum3.

Em paralelo, revela que está trabalhando em seu primeiro projeto como cineasta, intitulado Corupá (sua cidade natal). A sinopse ainda é mantida em segredo, porém já é certo que Bruna Linzmeyer vai assinar o roteiro, dirigir e atuar no filme. “Eu inventei essa história na minha cabeça, resolvi contar, e agora preciso seguir em frente, porque já tenho uma produtora, estou escrevendo, e o trem está andando. Não dá pra desistir mais”, ela brinca.
A fascinação pelo corpo
Apesar de ter recebido sua homenagem no início da Mostra de Tiradentes, a atriz decidiu permanecer ao longo de todo o evento para prestigiar a programação de obras brasileiras.
Ela confessa que, enquanto cinéfila, privilegia os filmes de fantasia, terror e realismo fantástico. “É um cinema de grande alcance. Pode parecer nichado, sob o rótulo do ‘cinema de gênero’, mas o horror tem uma comunicação muito física: você se arrepia, sente medo, se mexe na cadeira, grita, se emociona. Isso passa muito pelo corpo”, justifica.
Ela diz ainda que o terror está sempre no limite do desconhecido, e que isso provoca muitas sensações a partir de temas como a morte e a sexualidade.
No terror Medusa, de 2021, por exemplo, ela encarna uma mulher transformada em monstro por uma gangue de mulheres evangélicas que a consideram “livre demais”. O roteiro parte de uma história real.
“Quando a diretora Anita Rocha da Silveira e a produtora Vânia Catani me chamaram, elas estavam preocupadas em saber se eu aceitaria aparecer toda desfigurada. Isso diz um pouco sobre os trabalhos que eu tenho feito, que é a capacidade de me colocar além deste lugar da beleza normativa”.
A fascinação pelo funcionamento do corpo também a levou a interpretar dançarinas (em Rio, Eu Te Amo), e fazer belíssimas performances corporais (no fantástico Cidade; Campo), além de mergulhar no universo circense em O Grande Circo Místico.
Linzmeyer acredita que o ator espelha, no corpo, o trabalho das outras funções do audiovisual (roteiro, direção de arte, fotografia). “Me interessa muito o que um corpo pode fazer, e poder brincar com ele, trazendo estranheza”, explica.

‘Ainda Estou Aqui’
Ao citar o momento frutífero para o cinema brasileiro, a atriz pensa de imediato na indicação inédita a três Oscar, graças à história de Eunice Paiva, sob o olhar do diretor Walter Salles.
“O que estamos vivendo com Ainda Estou Aqui é o sentimento lindo e poderoso de pertencer. É o pertencimento de falar: este filme fala a minha língua, conta a minha história. Eu conheço a Fernanda Torres desde Os Normais, de Tapas e Beijos. É como se fosse nossa vizinha de bairro. Então esse filme é meu, é nosso. Este é um pertencimento que só a cultura traz”.
Ela credita o sucesso deste drama às políticas públicas, pois a cultura seria uma “colheita a longo prazo”. “Só estamos vivendo este momento atual com Ainda Estou Aqui porque construímos Os Normais, Tapas e Beijos e mais um cinema inteiro que veio antes dele. Estamos vivendo uma sensação muito prazerosa, em comunidade. O cinema brasileiro é prestigiado no mundo inteiro. Estamos em todos os grandes festivais, ganhando prêmios”.
A atriz estima que a distribuição igualitária de recursos, assim como os editais e leis de incentivo são fundamentais para a chegada de novos projetos com repercussão semelhante. Defende as cotas para mulheres, para pessoas negras, indígenas, LGBTs, com deficiências.
Sublinha, igualmente, a necessidade de descentralizar os recursos do tradicional eixo Rio-São Paulo, pois a diversidade de vivências e histórias só poderia se completar nas telas quando realizadores e realizadoras de todo o País tiverem acesso aos meios de produção.
Contra as críticas a um cinema “identitário”, ela contesta que, quanto mais específicas forem as subjetividades dos artistas envolvidos, melhores e mais complexos serão os nossos filmes. “Por isso precisamos de um cinema incentivado para as pessoas contarem as suas histórias, que são as histórias reais do nosso País”, conclui.