‘Transformers’: Como novos robôs para um novo século geraram bilheterias astronômicas

Com suas vendas em queda, a Hasbro leva seus brinquedos de volta aos cinemas. Steven Spielberg e Michael Bay são chamados para comandar o renascimento da franquia Transformers. Novos filmes exigem gastos massivos com efeitos especiais, atraem um novo público (e dividem a opinião dos fãs antigos) e atingem enorme sucesso

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Atualização:

Em 2003, a Hasbro estava acuada. O interesse das crianças por action figures se encontrava em baixa. Seus brinquedos perdiam cada vez mais espaço para os videogames, e a empresa, por questão de sobrevivência, precisava recuperar a atenção do seu público. A melhor ideia vinda dos executivos foi a de voltar a produzir filmes com suas propriedades.

A escolha recaiu sobre os G.I. Joe.

Channing Tatum (Duke) e Dwayne Johnson (Roadblock) em cena do filme G.I.Joe: Retaliação (2013). A eclosão da Segunda Guerra do Golfo atrapalhou o desenvolvimento da franquia

O problema é que, em março de 2003, eclodiu a Segunda Guerra do Golfo quando os Estados Unidos e seus aliados invadiram o Iraque (sob forte pressão contrária da opinião pública). Num mundo traumatizado pelos atentados de 11 de setembro de 2001, o governo norte-americano queria desforra. Acusou o país do Oriente Médio de possuir armas de destruição em massa e de abrigar membros do grupo terrorista Al-Qaeda (autor do atentado). Ao adentrar o Iraque, o exército norte-americano não encontrou nada e se atolou numa guerra civil de onde só sairia em 2011.

Ciente do alto teor militarista e patriota presente no conceito de G.I.Joe, a Hasbro desistiu de retornar aos cinemas com esses personagens. Só restou à empresa focar na sua segunda opção. Sobrou para os Transformers.


Como uma criança esconde um robô de dez metros de altura?

Com o sucesso da trilogia original de Star Wars, George Lucas ajudou a criar um ‘monstro’: os filmes no formato blockbuster. Longas-metragens para o grande público com orçamentos obscenos (e gastos com marketing idem), elencos estelares e a exigência absurda de render mais de um bilhão de dólares na bilheteria para não ser considerado um fracasso. O primeiro blockbuster por excelência foi Tubarão (Jaws) lançado em 1975 e dirigido pelo cineasta norte-americano Steven Spielberg.

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O termo surgiu durante a Segunda Guerra Mundial para definir bombas que, lançadas de aviões, podiam destruir um quarteirão inteiro. Nos cinemas, o formato tem o mesmo poder destrutivo para arruinar ou alavancar carreiras. Com sessões teste e o pesquisas de marketing, um estúdio prevê qual será a reação do público a seu produto (mas nem sempre acerta). E com os números de bilheteria do primeiro fim-de-semana, já sabe se o projeto será um sucesso ou um fracasso. O resultado de anos de trabalho é definido num único fim de semana. O que joga uma pressão desumana sobre as costas dos realizadores.

O formato blockbuster era o único caminho possível para se fazer um filme live-action dos Transformers.

Tiro, porrada e bomba

Conheça o trabalho do diretor norte-americano em seis filmes. Sua filmografia se divide entre longas de ação com temática militar ou policial, e ficções científicas

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Nas últimas décadas, diretores como Roland Emmerich, Zack Snyder e Michael Bay se tornaram especialistas nesse tipo de produção. Enquanto Emmerich teve uma formação mais tradicional, iniciando a sua carreira em pequenas produções no seu país-natal, a Alemanha. Os dois últimos vieram do mercado de videoclipes e introduziram o dinamismo e o frenesi do gênero em seus projetos cinematográficos. Em comum, o trio é acusado de fazer filmes barulhentos e descerebrados com orçamentos astronômicos e um fiapo de roteiro. Duas horas de desbunde visual para que o público ‘deixe o cérebro em casa’ e se entupa de pipoca e refrigerante nas salas de cinema. Um deleite para alguém que só quer um pouco de diversão. Uma ‘diarréia’ para os críticos de cinema.

Michael Benjamin Bay nasceu no dia 17 de fevereiro de 1965 em Los Angeles, nos EUA. Iniciou a sua carreira, aos 15 anos de idade, como estagiário de George Lucas na produção do filme Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of The Lost Ark, 1981), que foi dirigido por Steven Spielberg tendo Lucas como produtor executivo e idealizador da história. Era o responsável pelo arquivamento dos storyboards. Durante o período, achou que o longa seria uma ‘bomba’, mas adorou o material após vê-lo no cinema. Gostou tanto que decidiu se tornar um diretor.

O diretor norte-americano Michael Bay comparece à première de Transformers (2007) em Los Angeles (EUA)

Bay é conhecido por dar uma narrativa ‘anabolizada’ a seus filmes. Ele não tem hábito de trabalhar a cena a cena, criando ‘momentos de altos e baixos’ que mexem com a expectativa do público e geram aquele clima de catarse que preenche as salas de cinema. Pelo contrário, o diretor norte-americano atropela a sua platéia, com uma montagem frenética, saturando cada frame com barulhos, explosões, cenas em câmera lenta e camadas e camadas de efeitos especiais. Seus filmes parecem videoclipes com mais de duas horas de duração. São obras que não tem a menor preocupação em provocar uma reflexão, só sobrecarregam os sentidos de quem as assiste. É puro entretenimento descartável (e o cineasta não tem a mínima preocupação em querer que seus longas pareçam outra coisa)!

Por essas ‘habilidades’, Bay é odiado pelos críticos. Por essas habilidades, Steven Spielberg (fã dos brinquedos e dos quadrinhos), ao assumir a produção executiva da franquia Transformers, achou que ele era cara certo para comandar o projeto.

“E se uma criança tentasse esconder um robô de 10 metros de altura no quintal de casa? E ainda por cima, com seus pais lá dentro. Isso é o filme! É a realização de um desejo! Será que podemos fazê-lo de forma realista?”

Michael Bay

cineasta norte-americano

O maior desafio era convencer o público que robôs alienígenas com 10 metros de altura poderiam existir no mundo real. O risco dos Transformers caírem no ‘vale da estranheza’, isto é, de os robôs (gerados em CGI) parecerem irreais, era muito grande. Por sua destreza no uso de efeitos especiais e seus exageros narrativos, Bay foi chamado para fazer essa franquia ‘dar certo na marra’. E por incrível que pareça, ele recusou o convite de Spielberg. Achou o projeto ruim.

Só mudou de ideia quando, ao ser convidado para uma reunião na sede da Hasbro, se deparou com um robô de anime. Observando o brinquedo, começou a imaginar como seria um robô gigante na vida real. Ele teve um insight e uma cena surgiu em sua cabeça. Foi essa imagem (da criança tentando esconder um robô gigante) que despertou seu interesse pela franquia.


Produtos caros com tecnologia de ponta

Filmes blockbusters são caros e dispendiosos. E por causa dessas características, são um ótimo laboratório para criação de novas técnicas de filmagem, de efeitos especiais e de teste de novos equipamentos. Para dar vida aos Transformers, a tecnologia de efeitos digitais foi obrigada a se elevar num nível de complexidade jamais visto. Fundada em 1975 por George Lucas, a Industrial Light and Magic (ILM) encarou esse desafio.

Quando começou a trabalhar no filme de Michael Bay, a equipe de efeitos especiais planejava modelar três ou quatro robôs que fariam 14 transformações. Um ano depois, ela havia criados 60.217 peças de veículos (que receberam 34.215 mapas de textura) e mais de 12,5 milhões de polígonos (unidade usada em animação 3D) distribuídos em 14 autômatos impressionantes que causavam caos suficiente a ponto de deixar até o expectador mais cansado se sentindo novamente como uma criança de dez anos.

O supervisor de efeitos especiais Scott Farrar possuía, em sua mesa, um boneco do Optimus Prime da série Transformers G1. O brinquedo era formado por 51 peças e cabia nas suas mãos de Farrar. O Optimus Prime criado pela ILM carregava 10.108 peças distribuídas em 8,5 metros de altura.

Antes do início da produção, o supervisor de animação Scott Benza trabalhou junto a Bay para desenvolver as características dos robôs. Ele pediu que o diretor escolhesse personagens de filmes, como referência, para estabelecer a personalidade de cada robô, principalmente dos Autobots. Por exemplo, para encarnar o Bumblebee, Bay optou pelo ator norte-americano Michael J. Fox em De Volta Para o Futuro (Back To The Future, 1985). E quis o ator irlandês Liam Neeson como Optimus Prime.

Michael Bay grava cena de 'Transformers - O Lado Oculto da Lua' (2011). Ele enfrentou muitas dificuldades para tornar os robôs verossímeis

Para criar as expressões faciais, a equipe de modelagem, liderada por Dave Fogler, criou peças deslizantes para as bochechas e mandíbulas, peças multisegmentadas para os lábios e uma sistema de turbinas para os olhos (que girava para simular a dilatação das pupilas. Optimus Prime possuía cerca de 200 partes faciais e os animadores podiam mover cada uma delas.

Dublês, realizando vários movimentos de artes marciais, giros e cambalhotas, tiveram seus movimentos capturados (motion capture). Material foi usado, posteriormente, como referência pelos animadores para que eles criassem (e dessem veracidade) às cenas de luta dos robôs. Bay não queria que esses autômatos parecessem pesados. Queria que fossem agéis. Verdadeiros artistas marciais! Na animação, isso é um problema! Você precisa desacelerar o movimento para obter a impressão convincente de peso

No vídeo abaixo, o atleta canadense de parkour Nick Pro mostra como as cenas de ação foram feitas.

Vídeo do Youtube

Os animadores adicionaram quadros extras à filmagem de referência dos dublês (num filme, se usa 24 quadros por segundo) para diminuir a velocidade e trazer a animação de volta ao reino da plausibilidade. Eles também descobriram que quanto mais próximos os robôs estivessem da câmera, mais rápidos seriam os movimentos. Quando seus corpos inteiros ficavam visíveis, o autômato tinha que desacelerar. Para criar esse efeito, os animadores moviam os robôs do tempo real para a câmera lenta.

Outro problema foram as transformações. Os veículos em computação gráfica tinham que corresponder aos seus similares do mundo real; e os robôs, à arte conceitual aprovada. Não havia lógica em como as peças funcionavam nos autômatos.

“Tentar conciliar a arte do robô com o carro era praticamente impossível porque os robôs eram muito abstratos em suas formas. Deixamos os animadores trabalharem nas transformações. Foi um salto de fé! E funcionou!”

Dave Fogler,

supervisor de modelagem digital da ILM

Para sanar o problema, os animadores começaram a animar os Transformers em uma de suas formas extremas: geralmente o robô, mas, às vezes, o veículo. Em seguida, eles ‘dobravam’ o robô no veículo, fazendo o que fosse necessário para que eles se encaixassem. Desde de ‘quebrar as pernas ou ombros’ até ‘empurrar os braços no peito’. A última etapa de todo processo foi animar o autômato transformado levantando-se e movendo-se em direção à câmera.

O supervisor de animação 3D Keiji Yamaguchi foi o principal responsável por esse trabalho ter sido bem-sucedido. Ele ‘quem cortou o robô em pedaços’ e descobriu como encaixá-los numa pose. Para dar ritmo às transformações, se inspirou em animação japonesa, lutas de rua de Hong Kong e ginástica olímpica.

Todo esse esforço da ILM levou um ano, envolveu cerca de 350 profissionais ao custo estimado de US$ 150 milhões de dólares. E como é comum é Hollywood, esses números astronômicos não são uma garantia de sucesso. Mesmo com sessões teste e ampla campanha de marketing do estúdio, Spielberg, Bay e os outros produtores estavam apreensivos sobre como o público recepcionaria o filme. O nervosismo só se dissipou quando os números de bilheteria do dia de estréia, 3 de julho de 2007, chegaram. Nos EUA, o longa arrecadou US$ 27,8 milhões de dólares, um recorde. A expectativa era US$ 8,8 milhões.

Vídeo do Youtube

Os espectadores comuns receberam Transformers como um bom blockbuster. Já os fãs de longa data ficaram divididos quando se depararam com robôs com visual alienígena extremamente rebuscado, bem diferentes dos originais de Transformers G1 (problema que só seria resolvido parcialmente em Bumblebee). E reclamaram da grande quantidade de personagens humanos que roubam o tempo de tela dos seus queridos brinquedos (incômodo que ainda persiste). Entretanto, no geral, a recepção foi positiva, e os fãs ficaram muito satisfeitos ao ver o ator canadense Peter Cullen, dublador do Optimus Prime da série animada voltando ao personagem.

Vídeo do Youtube

O diretor Michael Bay ficou um bom tempo com a franquia nas mãos e só ‘largou o osso’ no quinto filme, Transformers: O Último Cavaleiro (Transformers: The Last Knight, 2017). Uma bomba que deixou bem claro que sua fórmula tinha se esgotado. De qualquer forma, goste ou não, você tem que reconhecer que o próximo longa dos robôs, Transformers: O Despertar Das Feras (Transformers: Rise of The Beasts), só existe graças a ele.

Sim! Os filmes dos Transformers deram muito certo!

Só blockbusters

Conheça os filmes da franquia

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O que esperar

O Transformers: O Despertar das Feras sucede outro filme baseado em um brinquedo, Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes (Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves), lançado no último mês de abril. E antecede Barbie, longa baseado na boneca da Mattel, com lançamento previsto para 20 de julho deste ano.

Nunca na história do cinema se viu tantos filmes, baseados em linhas de brinquedos, sendo lançados num espaço tão curto de tempo.

D&D foi descrito como um blockbuster divertido, mas que não obteve bons números de bilheteria. Já Barbie é uma grata surpresa! Seu trailer revela uma comédia bobinha, saída direto dos anos 1960, que debocha (às vezes, de um jeito cínico e cruel) da futilidade que a boneca representa. Tem a queridinha do cinema alternativo Greta Gerwig na direção, dando o seu primeiro passo dentro dos filmes de grande orçamento (E que Deus a proteja!). E conta com Margot Robbie e Ryan Gosling, respectivamente, como Barbie e Ken. Aliás, ver o ator canadense, o estereótipo do galã hollywoodiano fútil e imbecil (Não é!), interpretando o boneco almofadinha é uma ‘piada pronta’! Gosling nasceu para esse papel. Não tem como não rir!

Dona de um passado condenável, cheio de adaptações de gosto duvidoso, o futuro parece sorrir para essa nova ‘mina de ouro’ da indústria cinematográfica de Hollywood. Sim! Os filmes baseados em brinquedos vieram para ficar!

Os principais filmes baseados em brinquedos

Dessa lista, só Tim Burton e as Tartarugas Ninjas se salvam. No geral, longas desse tipo são meras produções ‘caça-níqueis’

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Fontes: Adoro Cinema, Blog do Amer, Creative Bloq, Dinastia Geek, IMDb, Slash Film, Transformers Wiki, the-numbers.com e Wikipédia

Reportagem: Diogo Shiraiwa; Editora de infografia: Regina Elisabeth; Editores-assistentes de infografia: Adriano Araujo e William Mariotto; Designer multimídia: Lucas Almeida; Consultoria em webdesign e desenvolvimento: Fabio Sales

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