Truman, de Cesc Gay, é aquilo que se pode chamar de filme de atores. Grandes intérpretes, como o argentino Ricardo Darín e o espanhol Javier Cámara. Sem eles, sem a presença carismática de Darín e sem a figura humana e forte de Cámara, talvez Truman fosse apenas um pequeno filme. Consegue ser mais do que isso graças ao magnetismo da dupla e a química que rola da atuação conjunta.
Julian (Darín) é um ator argentino radicado em Madri. Tomás (Cámara) é seu velho amigo, agora residente no Canadá, onde mora com esposa e família. A história começa com Tomás viajando a Madri onde irá se encontrar com Julian e convencê-lo a perseverar num tratamento médico que o outro já considera inútil. E quem é Truman? O cão de Julian.
A situação é dramática. Propensa a exageros, emoções fáceis, lágrimas gratuitas. Mas existe uma opção, tanto do diretor (que, afinal, é quem “rege” a obra e lhe dita o tom) quanto dos atores, que se prestam ao jogo como bons instrumentos musicais que são. E em que consiste essa escolha? Em manter a emoção sob controle, para que não descambe no melodrama. Tempera a dor com humor que, apesar de serem palavras que rimam, nem sempre aparecem juntas, mesmo porque a situação de Julian parece avessa a risos, ironias ou brincadeiras.
Mesmo assim, Tomás e Julian dedicam-se a ser, durante os poucos dias de reencontro em Madri, os bons amigos que sempre foram. Amigos que, justo pela intimidade construída ao longo de anos, podem ser francos um com o outro. Até mesmo um tanto agressivos, ou em aparência impiedosos, se levarmos em conta o momento pelo qual um deles está passando.
Essa relação bastante aberta entre amigos, esse dado da amizade viril autêntica, é que possibilita salvar a história do dramalhão barato. Isso significa colocar-se na justa distância em que não se naufraga na emoção fácil, mas nem por isso se censura ou se abafa a emoção mais profunda. Aquela que ressoa, no espectador, como verdadeira e não como tentativa de chantagem.
Além da amizade entre os dois homens, entra em cena a figura feminina de Paula (Dolores Fonzi). Ela não aceita a decisão de Julian e ainda tem uma queda por Tomás. Dá uma certa apimentada do enredo, que toma então um caminho comercial mais explícito. Não se pode dizer que seja uma escorregada, mas apenas uma concessão. Afinal, como se sabe, filmes sem papéis femininos, ou sem romance, sofrem mais dificuldades junto ao público.
Sem ser uma grande obra, Truman mostra, em todo caso, que é possível manter um determinado cinema em bitola mais acessível ao público, sem por isso dobrar-se ao suposto gosto médio e sem evitar assuntos tidos por traumáticos e venenos de bilheteria. É “cinema de qualidade”, sim, e deve ter seu espaço no circuito, entre títulos de maior risco e os blockbusters de sempre.
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