O jornalista Mstyslav Chernov estava em Mariupol, região da Ucrânia, quando viu tudo mudar. A Rússia começou a atacar essa região, tentando anexá-la. Bombas para todos os lados. Em risco, os jornalistas foram embora. Menos Chernov. Com sua câmera, ele quis ficar por lá, filmando tudo o que fosse possível. O resultado é 20 Dias em Mariupol, documentário que estreia no cinema nesta quinta-feira, 7, e indicado na categoria ao Oscar.
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Chernov nasceu na Carcóvia em 1989 e, desde que se tornou correspondente de guerra da Associated Press, passou a ter uma carreira impressionante – e meteórica. Cobriu, dentre outras coisas, a Revolução da Dignidade, a Guerra em Donbass, a queda do voo MH17, a Guerra Civil Síria e a Batalha de Mosul no Iraque. Ou seja: a decisão de ficar em Mariupol, tentando mostrar que civis estavam sendo mortos, não foi impensada tampouco impulsiva.
Ele sabia que, naquele momento, poderia construir uma narrativa de guerra e ser ouvido ao registrar imagens que não estavam sendo devidamente registradas por mais ninguém.
“Já passei por seis guerras. Provavelmente, não consigo te dizer quantas pessoas vi morrer. Mas, na Ucrânia, tudo é mais pessoal”, conta ele, aos 39 anos, com lágrimas nos olhos e longas pausas, em entrevista ao Estadão. “Estas cidades sendo bombardeadas e destruídas são minhas memórias de infância. Então tem sido emocionalmente mais difícil ver isso acontecendo.”
Câmeras na guerra
Aí é que se abre a questão mais interessante do filme, para além de toda a dor e sofrimento que as imagens registradas por Chernov causam: o que o cinema pode fazer em uma situação como essa? O que muda ao pegar em uma câmera em vez de uma arma?
A sensação de não poder fazer muito o angsutia. “Você se sente impotente porque não pode impedir. Você tem uma câmera, mas o que você faz?”, questiona.
Você não pode parar uma bomba com a câmera, certo? Você realmente não pode parar um sangramento catastrófico tirando uma foto. Então você se sente realmente impotente, especialmente quando continua enviando as imagens e nada realmente muda.
Mstyslav Chernov
No entanto, seria ingenuidade parar essa linha de pensamento aí. O cineasta pode não ter ter condição de salvar uma vida naquele momento ou de parar uma bomba com sua câmera, mas Chernov está fazendo algo essencial em uma guerra: criando narrativa. Assim como ele mostra em seu filme, houve tentativas de invalidar registros de ucranianos como se fossem atores. O registro visto em 20 Dias em Mariupol ajuda a perceber começo, meio e fim.
“A primeira pergunta que devemos nos fazer é: será que os cineastas podem mudar alguma coisa? Os filmes não mudam nada? Essa é a pergunta que fiz ao longo daqueles 20 dias. E alguns dos temas sobre o qual refletimos são desinformação, má interpretação e o impacto - ou a falta de impacto - do jornalismo”, explica.
Chernov, que agora comemora a indicação ao Oscar e a vitória no BAFTA pela visibilidade que a guerra ganha novamente, conta, porém, que a dor e o sofrimento de ver, vivenciar e gravar a guerra não terminam na zona de batalha. Depois, há a guerra da edição.
Na fita
Hoje, um dos pontos criticados em 20 Dias em Mariupol é uma possível exploração das pessoas em Mariupol – o filme chega ao ponto de colocar, na edição final, um casal de ucranianos confundindo o diretor com um jornalista de tragédia e mandando que ele filmasse seus rostos. Por isso, é inevitável a pergunta: o que entra ou não no corte final?
“Uma das partes mais difíceis da edição é encontrar um equilíbrio certo, equilibrando o que mostramos e o que não mostramos. Tudo isso é cuidadosamente elaborado para garantir que respeitemos as vítimas, que respeitemos as pessoas que estão feridas ou morrendo, ao mesmo tempo que não sanitizamos”, diz ele, sobre o risco de deixar a “guerra mais limpa”.
Para ele, a pior coisa que poderia acontecer era mostrar a guerra e as pessoas, depois de verem o filme, pensarem que não é tão ruim assim. “Isso é contrário ao que estamos tentando fazer. Queremos mostrar que a guerra é absolutamente inaceitável, destrutiva e absurda. Então isso faz parte da tomada de decisão: encontrar um equilíbrio certo”, contextualiza.
Por fim, ele acha que ganhar prêmios por esse trabalho é um passo a mais para alcançar seu objetivo. “É ainda mais urgente do que antes porque não se trata apenas de receber prêmios e reconhecimento. Tudo isso ajuda a encontrar mais público. As pessoas vão para a zona de guerra estando no conforto de suas casas, e é aí que essa identificação ajuda. Como seres humanos, é disso que precisamos quando nosso mundo está em chamas”, finaliza.
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