2024 - Wagner Moura é Joel em 'Guerra Civil'

CRÉDITO: Divulgação/Diamond Films. Foto: Divulgação/Diamond Films
Foto: Divulgação/Diamond Films

Wagner Moura: ‘Guerra Civil é filme sobre os efeitos horríveis da polarização’

Blockbuster político ‘sem agenda ideológica’ chega ao Brasil depois de uma estreia barulhenta nos EUA; ator brasileiro é um dos protagonistas do novo filme de Alex Garland, ao lado de Cailee Spaeny e Kirsten Dunst

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Foto do author Matheus Mans

Wagner Moura recebeu a reportagem do Estadão com sua tranquilidade costumeira – sempre atento, refletindo sobre as perguntas, digerindo o que está sendo falado. Algo oposto ao que vemos na tela de Guerra Civil, onde interpreta Joel, um jornalista que tenta chegar até Washington D.C. no meio de uma guerra que divide o país ao meio.

Wagner Moura é Joel em 'Guerra Civil'. Foto: Divulgação/Diamond Films

A ansiedade e a tensão tomam conta da história, enquanto nós, espectadores, nem sabemos ao certo o que está acontecendo por lá – só sabemos que há uma estranha aliança entre Texas e Califórnia. Como isso aconteceu? Não há resposta. O objetivo é outro: refletir sobre os caminhos políticos do mundo. “As razões que causaram a guerra, nessa ficção, me parecem muito óbvias: é um filme sobre os efeitos horríveis da polarização”, resume Wagner Moura.

Como você chegou ao projeto do filme? E o que o atraiu no personagem?

O Alex Garland tinha conversado primeiro comigo sobre a série Devs, mas acabou não dando certo. Fiquei superfeliz quando ele me procurou de novo para Guerra Civil. Ele mandou o roteiro, li e achei incrível. Gosto de tudo o que ele fez, o que é uma coisa muito rara – gostei até mesmo de Men: Faces do Medo, que dividiu muito a crítica. O roteiro de Guerra Civil é muito bom. É o meu terreno por ser um filme político, além de ter pretensões de ser um blockbuster, um filme gigantesco, visto por muita gente. Fizemos um Zoom por mais de uma hora, conversando. No final, logo no pós-pandemia, ele disse que era isso, que me queria no filme. Fiquei felizão.

Você falou dessa questão do filme ser político. Algumas críticas estão apontando que o filme cai em um campo belicista por não se posicionar exatamente sobre a guerra. Como vê isso?

Quando as pessoas leem o título Guerra Civil, principalmente nos EUA, ficam esperando uma explicação do que aconteceu. Querem saber quais foram os fatos específicos que causaram aquilo – fomos questionados sobre isso por jornalistas americanos também. O que eu digo é que é engraçado porque já vi muitos filmes de tropas americanas no Afeganistão, no Vietnã, no Iraque e nenhum explica o que as tropas estão fazendo ali. Mas entendo um pouco o que eles pensam. Afinal, o filme causa uma dissonância cognitiva para o público americano, sobretudo. Eles estão vendo cenas muito fortes, como as que estão acostumados a ver nesses outros países, seja na África, no Oriente Médio ou na América Latina, acontecendo em Washington. É muito forte para eles. Ainda assim, as razões que causaram a guerra, nessa ficção, me parecem muito óbvias: é um filme sobre os efeitos horríveis da polarização. Eu nunca nem fiz essa pergunta ao Alex, porque sempre entendi que era sobre o que acontece no Brasil, nos EUA, no mundo todo. Também enxergo como um filme totalmente antiguerra, já que nunca glamouriza a situação que acontece ali. Pelo contrário: você vê como aquilo é uma coisa horrível. Existem outros filmes que mostram a guerra como uma coisa interessante, mas Guerra Civil não é assim – como é o caso do filme que foi referência para o Alex, o Vá e Veja, que também mostra que não há razão que explique a guerra. Entendi imediatamente quando estava lendo o roteiro e nunca quis saber sobre a união de Texas e Califórnia.

O que também é uma boa sacada de roteiro, unir esses dois estados.

Sim, são estados com qualidades políticas bem diferentes. Um é progressista, outro mais conservador. Colocar os dois juntos já quer dizer algo. Se você tem um presidente déspota e fascista, porque esses estados não podem se juntar? Se eles prezam pela democracia…

Hoje, parte do público exige um didatismo e talvez por isso caia nessa crítica da falta de explicação.

O início do filme é muito rápido. Alex nunca dá muita explicação para nada, em nenhum filme dele. Ele abre mais perguntas do que respostas.

O filme transmite uma ansiedade o tempo todo. Como foi isso para você, como ator?

Essa questão da ansiedade está presente demais no filme. O Alex captou uma ansiedade que está no dia a dia. É a ansiedade política que vem, outra vez, dessa situação toda. Depois desse filme, entendi claramente que a polarização é o maior perigo para a democracia no mundo e como ela é alimentada pelas fake news, pelas redes sociais. Por isso Guerra Civil é um filme importantíssimo, já que é sobre jornalismo e a sua importância para a democracia. É um pilar, apesar de ser tão atacado. Em determinado momento do filme, Sammy, personagem do Stephen McKinley Henderson, diz que estão matando jornalistas em Washington. Isso é uma realidade cada vez maior. Muitos jornalistas que iam para guerra dizem que o crachá protegia muito mais do que protege agora. Hoje em dia, temos até líderes mundiais atacando abertamente a imprensa. Tudo isso é muito preocupante e fico feliz por este ser um filme sobre jornalismo.

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‘Tropa de Elite’ ajudou, de alguma forma, a mergulhar nesse cenário de guerra civil, violência e pressão?

Tropa de Elite me ajudou a saber de qual tipo de cinema eu gosto de fazer. Gosto de filme político. O filme que eu dirigi, [Marighella], é político. Gosto de Costa-Gravas, de neorrealismo italiano. Acho que o Tropa me deu isso, naquela época. Eu sou um artista que acha que a política e a arte caminham juntas. E, depois, porque, na hora de falar, falamos de arte, de cultura, mas também falamos de política. Tropa me deu essa noção.

Wagner Moura. Foto: Divulgação/A24

E ‘Guerra Civil’, assim como ‘Tropa’, ajuda a falar de política inclusive em tempos de polarização, não?

É isso. Guerra Civil é um filme que, de fato, não tem agenda ideológica. É algo dificílimo. Marighella tem uma agenda ideológica. É um filme histórico, com retrato de uma parte da nossa História, enquanto o Alex está falando de um futuro distópico. É um filme que não tem agenda. Os que cobram que o filme tome partido não entendem sobre o que o filme é. Ele diz que a polarização é o maior perigo que podemos ter na democracia.

Você é formado em jornalismo. Isso o ajudou em algo em ‘Guerra Civil’?

É outro mundo, né? Não conhecia ninguém. É muito diferente. [O jornalista de guerra] está lá para trazer imagens e histórias que servem para sensibilizar a gente sobre essa coisa que vemos de casa. Até mesmo hoje em dia, com redes sociais, como o TikTok, em que as imagens são tão banais e corriqueiras, quando você vê uma imagem forte, aquilo te toca. Mas é um pessoal diferente [do jornalista convencional]. É como um soldado na guerra.

Você está fazendo cada vez mais produções em inglês. Como é isso pra você? Outro dia, Fernando Meirelles falou como é difícil dirigir em outro idioma.

Dirigir deve ser facílimo (risos). Você não está de frente pra câmera. Vou dirigir meu primeiro filme lá fora agora e estou muito animado. Mas atuar é difícil demais. Eu não falo inglês desde que sou criança. Aprendi já adulto. Então não está no profundo da minha humanidade, que fala português. Você tem que fazer um esforço a mais. O Javier Bardem falou uma vez uma coisa que adoro: quando atua em inglês, é como se meu cérebro fosse um escritório com pessoas trabalhando, passando fax, mandando mensagem, computador, gritaria, telefone; quando eu atuo em espanhol, o escritório está vazio. É a metáfora perfeita.

E pensa em focar mais na carreira internacional?

Nunca penso na minha carreira internacional, penso na minha vida – nem gosto da palavra “carreira”. O próximo filme que vou fazer é aqui, com o Kleber Mendonça Filho. Vou curtir. Vou procurar projetos que me ativem como cidadão, como pessoa, como ser humano, que me faça sentir alguma coisa, que seja interessante, que me faça fazer algo que nunca fiz.

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