O primeiro bicho a ser domesticado, a conviver pacificamente com humanos, foi o cachorro - tipo 20 mil anos atrás. Os dogs perceberam que, em vez de sair caçando, era mais fácil ficar perto de pessoas, pegando as sobras de mamute que davam carinhosamente por baixo da mesa.
Conto tudo isso porque aqui em casa estamos voltando aos tempos primevos: contraímos uma pastora alemã - a Lolita. Desconfio que não seja um canídeo. Não e não. Com cinco meses e 22 quilos, é uma filhote de Dente-de-Sabre, bicho extinto há 300 milhões de anos. Darwin pira.
Pois acompanhem comigo. Lolita comeu o fio da rede no meio da olimpíada, bem diante da minha nuca. Percebi quando tentei ver a Rebeca, no sofá com o controle na mão. Aí o forno apitou, fui desligar o pão de queijo, Lolita agarrou na barra da minha calça. Perdi o equilíbrio e bati a careca na quina. Puxei a calça pra ela largar, rasgou a barra. Era a calça de fazer reunião.
Me servi então de um resto de vinho pra acalmar. Espirrei escandalosamente na frente dela, Lolita pulou em mim animada com o barulho - e o vinho foi inteiro parar na parede. Terminei o dia tomando chá de camomila. Nem o ditador do cabelo lá da Coreia do Norte tem tamanho poder de destruição.
Talvez Lolita seja mais parecida com a Rainha Marta: se deixar desmarcada, acaba com tudo. De pé, consegue alcançar qualquer coisa em cima da mesa – ela prefere queijos e embutidos. Tem bom gosto. Nenhuma meia mais tem par - mas Lolita é bonita feito o quê. Cinco meses de vida e já encantou a vizinhança toda. Nabokov pira.
Agora, cuidado: a natureza tem esses truques. O Phyllobates terribilis (notem o nome) é sapo mais venenoso do mundo – e é lindo, parece de neon. Mesma coisa o Baiacu - uma formosa bexiguinha aquática que mata.
Lolita também é fofa; Lolita responde às minhas broncas tombando a cabeça pro lado. Lolita tirou o ralo do banheiro e levou pra minha cama. Lolita adotou um halteres de dois quilos como graveto, e anda com ele na boca. Comeu veneno de formiga e não aconteceu nada. O próximo furacão vai ser batizado com seu nome. Intensidade cinco. Lolita vai destruir Miami, depois de arrasar com minha casa.
Descobri com Lolita que amo cães, mas não tanto quando têm cinco meses. É muita insanidade. Puppy é coisa pra pedagogo, não pra escritor; educar é um troço que dá trabalho. Exige profissional homologado, alguém que tenha as manhas. E doutorado. Lolita exige gente que virou nome de sala. Pavlov pira.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.