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Coluna quinzenal do roteirista Lusa Silvestre com crônicas sobre a vida vista com ironia dramática

Opinião | Meus pijamas não servem para a academia. Descobri na prática

Só tenho roupa para uso doméstico, que eu chamo de pijama conceitual e minha mulher chama de roupa do ‘Walking Dead’. Tentei usar um desses looks na minha volta à academia

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Foto do author Lusa Silvestre

Contagiado pelo espírito olímpico, voltei à academia. Mas trabalho no home office; caramujos saem mais de casa do que eu. Só tenho roupa pra uso doméstico e pijamas conceituais (eu chamo de “pijama”, minha mulher chama de “roupa do Walking Dead”). Ir à academia, portanto, significava garimpar algo decente - sem prejudicar minha independência artística. Sou atitude.

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Como ia suar e rasgar panos com meu inexorável progresso muscular, não quis pôr coisa boa. Abri armários, afastei naftalinas, espirrei e separei uma camiseta do Pink Floyd meio desbotada na axila.

Pra cobrir as vergonhas, fiquei entre a calça de ioga e uma bermuda original da OP quadriculada. Achei a calça muito Gil-cannabis-tatame, e ainda estava rasgada na buzanfa, então optei pela bermuda. Aposentei a calça na mesma hora, em uma gaveta de menor estresse. Exato: a dos pijamas conceituais. Um final nobre para qualquer roupa: virar uniforme de alcova e descanso. E de refeições também, dependendo da regra da casa.

Completei o figurino com a camiseta do Pink Floyd. Ficou apertada. O Pink e o Floyd acabaram esgarçados, distantes entre si – como se a banda estivesse se separando de novo. Troquei por uma amarela cítrica, com a frase “Todos dias eu acordo lindo, mas hoje exagerei” em roxo-neon. Não ornou. Busquei a opinião da minha filha: “que tal”? Ela respondeu: “Meu Deus”. Fui assim mesmo; sou um artista independente. Eu brilho de qualquer jeito.

Nem sempre. Logo na catraca da academia, uma moça me olhou de cima abaixo feito vendedora da Diesel. Piscou com tanto ódio que seus cílios postiços despregaram e voaram em direção à minha jugular. Se não me abaixo, já era. Cruzei depois com outro atleta, todo tatuagens. A de carpa no bíceps me virou a cara; a de dragão na panturrilha me mostrou a língua bipartida. Meu filho chegou e, quando veio falar comigo, disfarçou. Parecia até que estava comprando segredos da KGB.

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Depois de muito uso, a roupa entra na categoria 'pijama conceitual' Foto: Photographee.eu/adobe.stock

Nesse ponto, descobri que a minha imagem estava prejudicada. Isso, não. Sou artista independente vaidoso. Comprei um monte de roupa preta. E tudo mudou. Chego na academia imaculado e principesco, e assim permaneço. Até porque não faço nenhum exercício. Fico só na cafeteria, depois resenhando na loja de Whey Protein. Não vou usar roupa nova pra suar. Vamos cuidar; são doze anos de serviço (pelo menos) até a gaveta de pijamas conceituais. Porém, vale nota mental: esta gaveta não está muito sexy; ainda bem que já casei.

Opinião por Lusa Silvestre

Roteirista dos filmes 'Estômago', 'O Roubo da Taça', 'Medida Provisória' e 'Sequestro do Voo 375'.

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