O algoritmo é burro – me explicou Nelson Rodrigues, assim que eu lhe mostrei a lista das músicas mais ouvidas no meu Spotify, em 2024. Nelson citava a si mesmo. Certa vez, o Anjo Pornográfico participava de uma mesa redonda dessas que voa chinelo. Quando suas opiniões foram descartadas com o uso de imagens, mandou essa: o videotape é burro. Atualizando a burrice, Nelson incluiu o algoritmo.

Tendo a concordar com ele. Porque, no topo da lista do meu Spotify, estava Dolly Parton, com 9 to 5. Pense: Dolly Parton.
Dolly é uma cantora americana importante. Afinadíssima, veste-se com a exuberância de dourados e perucas. Até aí, Elton John também. Sem falar no Kiss. O que pega pra mim é o repertório. Ela canta basicamente aquele country de Nashville, batendo o calcanhar da bota branca no chão de madeira do saloon. Nada contra o estilo; o ouvido é de quem tem. Mas não é a minha; esse não sou eu. Música country pra mim é Milionário e Zé Rico.
E nem era Nelson quem me preocupava mais. Estava tenso pelo povo da minha quebrada, lá de Santo Amaro. Tenho uma imagem a zelar. A gente ouvia Iron Maiden. Percebe a distância? Será que Santo Amaro sabe que Dolly Parton flertou com a música disco - e 9 to 5 era dessa fase? Se soubesse, perdoaria?
Definitivamente, esse algoritmo não me conhece. Pegou um momento de desvario, em que eu estava procurando uma trilha sonora que me desse ânimo na esteira ergométrica - e assumiu que sou essa pessoa. O que é isso, gente? E as horas ouvindo o Kind of Blue, do Miles? Não contam? O tanto de Gil e Caê que pus pra tocar? E Chico, Jimmi Hendrix, Beatles? E o Led? Respeita a minha história!
Mesma coisa acontece com as séries que o algoritmo me indica: não têm nada a ver comigo. Durmo em quinze minutos; melhor do que zolpidem. Fui fazer uma pesquisa sobre ternos de linho, e agora o algoritmo acha que moro na Miami dos anos 50. Aliás, os destinos de férias que sugerem – esses não sabem nada de mim, nem de quem decide tudo em casa: minha mulher.
É por causa de coisas como a lista do Spotify que interajo cada vez menos nas redes. Prefiro ser ermitão digital a fornecer dados transloucados, que tentem dizer quem eu sou. Vou descobrir isso sozinho, na terapia ou com o povo de Santo Amaro.
Já marquei um churrasco com meus amigos pra me explicar. O algoritmo sugeriu picanha, vou comprar bife de tira. Quero ver ele lidar com a inconstância da alma selvagem e a minha birra. Bola pra um lado, algoritmo pro outro. Gol dos humanos.