A cada dia que passa, a minha vontade de conversar apenas com plantas aumenta. Até porque o papo com humanos não têm acrescentado muito pra mim. Muita ignorância, muita verdade e dedo na cara. Muita gente sincera. Quem deu salvo conduto pra esse povo falar o que dá na cabeça? Aceito sinceridade dos amigos, e olhe lá. Às pessoas de pouca intimidade, trago a sabedoria baiana: não lhes dei ousadia.
Uma parte dessa franqueza toda, sempre violenta, é figura de retórica. A tática é partir pra cima, afugentando a razão e a decência da conversa. Chocar, cuspir fogo e bile, falar tanto absurdo que o outro debatedor arrega por não querer descer no nono inferno de Dante - onde ficam as almas dos traidores. Olavo gostava muito dessa estratégia (do grego strateegia). Olavo também gostava de dar pipoco de rifle nas árvores.
Os sinceros se alimentam da treta, se energizam; trazem a política pra discussão porque sempre rende engajamento - não importando o assunto. Se este sesquicentenário jornal publicar uma receita de bolo (passagem desbotada na memória), vai aparecer alguém para politizar o chocolate. Aí, o inocente Floresta Negra vira controvérsia e tapa de mão aberta. Qual o bolo que sai gostoso desse forno de raiva? Coitado de quem comer tal doce: é a madrugada inteira nas retretas - o último nível do inferno de Dante, onde encontramos também o preparo para a colonoscopia.
Mas eu nasci para a alegria; não para ganhar discussões. Nem quero saber. Prefiro ser iludido a ser desmascarado. Vou me adaptar à essa sinceridade extrema e inimputável. Porei meu cérebro no modo sabático, vou desenvolver surdez seletiva - só darei atenção aos elogios. É até mais fácil do que buscar a razão.
Não pretendo mais ter opinião, assim os sinceros não têm onde se agarrar. Vai funcionar assim: Lusa, o que você acha do aquecimento global? Acho ruim, claro – mas responderei com um sorriso ignorante. Lusa, o que você acha da lacração e da cultura woke? Digo: não sei o que é cultura woke – e fim. Meu lado italiano promete sabotar essa postura; difícil ouvir provocação e groselha sem pôr o Napoli em campo.
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Vou mudar pra o mato, para o silêncio contemplativo. Me cercarei de vinis, guanciales, pecorinos e livros. E plantas. Elas não retrucam, não te mandam ir pra Cuba, deixam a casa mais leve e cheirando deliciosamente. Vou viver entre lavandas, damas-da-noite e mentiras. Não há flor no mundo que coloque a ponta da pétala na minha cara e dizer: posso ser sincero com você?”.
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