Um conceito dos anos 1970 ainda serve para explicar a situação vivida hoje por muitas profissionais brasileiras. Criada pela escritora americana Marilyn Loden, a expressão “teto de vidro” simboliza a dificuldade que as mulheres têm de chegar ao topo da carreira por razões mais culturais que pessoais. Razões que passam, entre outros fatores, por preconceitos, estereótipos de gênero, expectativas socioculturais e falta de representação.
E como vencer essas barreiras que impedem o crescimento feminino no mercado de trabalho e fazem com que, entre outros prejuízos, as mulheres ainda ganhem menos que os homens em 82% das áreas segundo pesquisa divulgada há alguns dias pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)?
O livro Quebre o Teto de Vidro: Estratégias Revolucionárias Para Atingir o Próximo Nível da Carreira (Até Chegar ao Topo) (Editora Rocco) traz algumas respostas. Escrito pela empresária e consultora Karinna Bidermann Forlenza, ele se baseia em anos de pesquisas da autora - justamente após uma demissão quando pensava estar no auge da carreira - e em entrevistas feitas com 253 mulheres no topo da profissão em seis países.
“O ambiente corporativo, tal como foi criado, não previa a inclusão de mulheres, muito menos nos mais altos cargos de liderança”, recapitula Karina. “Portanto, toda vez que uma de nós quebra a barreira que existe e sobe na hierarquia vertical das empresas - o teto de vidro, que deixa até ver o que há do outro lado, mas que na prática impede a livre passagem - é como se todas nós estivéssemos provocando uma revolução. No entanto essa quebra gera muitos cacos de vidro pontiagudos, que podem nos machucar de verdade.”
No livro, Karinna mostra que os tetos de vidro não se revelam apenas por meio de diferenças salariais, menor ocupação de cargos de liderança, dificuldades com a maternidade, sem mencionar assédio e outras hostilidades. Ele também está na necessidade imposta a muitas mulheres de ter de provar sua capacidade e lutar por espaço para falar, opinar e fazer as coisas à sua maneira.
Ela também resgata duas “síndromes” que costumam acometer profissionais. Uma, já mais conhecida, é a síndrome da impostora: a mulher é capaz e gabaritada, mas acaba em dúvida sobre sua real competência. Sente-se uma fraude, como se estivesse no cargo por acidente, não por capacidade. Tanto perfeccionismo e medo de errar acabam muitas vezes abrindo espaço para que gente menos capacitada abocanhe seu lugar.
A outra síndrome - menos falada, mas provavelmente até mais comum - é a da “tarefeira”. Segundo Karinna, 99% das mulheres com quem conversa acreditam piamente que um bom trabalho fala por si só. E vivem esperando que o reconhecimento venha apenas em função dele, mesmo quando passam para os níveis mais altos da carreira. Aí, no entanto, é onde mora o perigo porque, nos níveis mais altos das empresas, outras habilidades começam a ser exigidas e valorizadas, como ser mais estratégica e menos operacional. E fazer política. “Para os homens parece que isso é naturalmente encarado e incorporado. Mas para as mulheres não. Elas continuam a querer realizar tarefas e a esperar que o reconhecimento de seu valor profissional venha disso”, explica no livro.
E não só. A autora lista uma série de comportamentos comuns entre as profissionais, como o medo de valorizar o sucesso e a própria trajetória até o topo. “Os colegas homens vivem se gabando de seus resultados, mas nós, mulheres, fomos ensinadas a ser modestas”, afirma. “Não queremos ser vistas como arrogantes ou petulantes.” Evitar delegar tarefas - e se afogar em trabalho -, ser perfeccionista, não saber listar as próprias qualidades, preferir o operacional e o dia a dia e, mais uma vez, repudiar o jogo político, “ainda mais quando nota que aquele colega menos esforçado e talentoso escalou até a diretoria”, são outros itens citados.
“Empresas são lugares que priorizam quem aparece. É muito bom construir relações, fazer amizades e ajudar na festa de final de ano, mas isso não coloca você no topo”, escreve Karinna. “O que coloca você no topo são o resultado e a divulgação desses resultados para as pessoas certas: quanto você trouxe de lucro para a empresa, quanto economizou ao tomar decisões estratégicas, e coisas dessa natureza. Quem é “modesto” demais, “gente boa”, mas não se preocupa se o seu trabalho chega aos ouvidos certos, vai ser pouco priorizado.”
Por isso, para a autora, ter um trabalho de visibilidade e construir uma reputação sólida como líder diante dos gestores são fatores essenciais. “A entrega, que era tão importante no início da carreira, passa a ter papel diferente (nos cargos mais altos). Visibilidade e reputação são construídas quando você consegue demonstrar a relação dos seu trabalho com os objetivos da empresa (e da equipe). Quanto mais relevante for o seu trabalho, e mais você souber mostrá-lo em reuniões, conversas e decisões estratégicas da empresa, mais visibilidade e reputação você desenvolve.”
“Trabalhar duro é importante e positivo se você quer se destacar na carreira. Mas, a partir da gerência, é essencial olhar mais para fora do seu mundo do que para dentro. Quanto mais ascendemos na pirâmide, mais global deve ser o nosso olhar em relação à empresa. Tudo nessa vida envolve trânsito, comunicação, jogos de poder. Não querer participar já é uma escolha. Ou seja, quer queira, quer não, você já está no jogo.”
Karinna Forlenza
Isso, claro, vale para homens e mulheres, mas nem sempre as regras e condições para eles e elas são as mesmas. “Conhecendo as engrenagens das pirâmides que cercam a vida corporativa, fica muito claro que é impossível quebrar tetos de vidro sozinha e sem estratégia. Felizmente, já existem muitas iniciativas que se propõem a transformar o sistema por dentro.” Karinna lembra, por exempo, do 30% Club, organização global sem fins lucrativos apoiada por empresas líderes e CEOs poderosas que luta pela inclusão de mulheres no corpo diretivo ao redor do globo. Segundo o 30%, a transformação na cultura de uma empresa - e no mundo - só acontecerá quando ao menos 30% de todas as diretorias forem compostas por mulheres.
Parece impossível? “Talvez”, acrescenta Karina. “Mas por muito tempo seria impossível ter mulheres dirigindo empresas. Nos anos 1930 metade da sociedade norte-americana era contrária à ideia de lideranças políticas femininas. Não tínhamos direito de votar, dirigir ou viver sem a permissão do pai e do marido. Para as mulheres dos anos 1960, era impossível encontrar propósito fora do casamento - e aqui estamos. Mulheres incansáveis do passado abriram caminho para nós. Agora é a nossa vez de retribuir - e transformar o jogo para as futuras gerações.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.