John Mayall: altos e baixos de um blues sem limites

JULIO MARIA - O Estado de S.Paulo

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Por Redação
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O blues pode estar em muitos lugares. Afinal, já disse BB King, chamá-lo de gênero é reduzir seu potencial de fogo. Mais do que música, blues é um estado de espírito que habita tanto as tristezas de um sambista do morro quanto as nostalgias de um roqueiro do asfalto. Então, o próprio Chris Cornell erra ao subir ao palco na última noite do Best of Blues Festival, quinta-feira, no World Trade Center, sentindo-se um estranho no ninho. "Logo eu fechando um festival de blues... Mas me convidaram e eu estou aqui."   Sem tocar slide, gaita ou solar sobre escalas de cinco notas, sem uma gota de sangue dos guitarristas e cantores de Chicago ou do Texas nas veias, o grungeman de Seattle que nunca tocou blues retirou de algum lugar de si o blues que não é blues mais autêntico daquela noite. Cornell resolveu sua pouco mais de 1h30 de show só na voz e violão. Sem banda, cantou o que fez de mais vitorioso em seus grupos Soundgarden, Audioslave e Temple of the Dog em forma de canção, além de recriar Billie Jean, de Michael Jackson. Uma performance vigorosa que já foi vista no Brasil em dimensões maiores e, talvez por isso, de menor impacto, durante o festival SWU de 2011. Ao limpar a sujeira de guitarras e baterias com quatro violões que alterna o tempo todo entre as canções, Cornell deixa aparecer uma voz de extensão sem fim, cheia de recursos que pulam como cartas da manga e com um poder de comunicação que não exige nenhum grau de iniciação em grunge para que sua plateia se levante em aplausos e assobios. A voz e o violão resolvem tudo em 1h30 que passa flutuando e sem aborrecer. Quase uma lição até mesmo a legítimos homens nascidos e criados às margens do gênero. John Mayall é um deles. Sua figura de 79 anos merece respeito e sua folha corrida de serviços prestados à origem do blues na Inglaterra, no início dos anos 60, lhe garante algumas páginas na história. O fato de ter dado emprego a um ainda desconhecido Eric Clapton o fez um visionário para sempre. Mas Mayall, hoje, vale mais pelo passado. O tempo tem lhe cobrado na agilidade de seus dedos e na voz, que nunca foi grande, cada vez mais opaca e sem volume. Como Johnny Winter e BB King, está legitimado pelo tempo, por mais que não produza material de impacto há uns bons anos. Shemekia Copeland é uma boa cantora, nada mais que isso, no sentido mais bluesy do termo. Ainda tenta ingressar no time das singers acima da curva e tem suas estratégias. Fala carismática com o público o tempo todo e faz um blues rock com voz grande e musculosa. Seu show vem dentro da caixinha: bons solos, interpretações quentes e mãozinhas ao alto. A parte do cantar fora do microfone para mostrar até onde a voz chega sempre funciona, com qualquer um. Ela precisa agora deixar de ser um simulacro de tudo o que ouviu na vida e investir em si mesma. Shemekia ainda não tem uma marca própria. O Best of Blues Festival vai continuar em 2014. "Já estamos negociando os nomes para a próxima edição", diz Pedro Bianco, presidente do Grupo Dançar, responsável pelo projeto. O WTC Golden Hall tinha espaço para 2.500 pessoas sentadas em cada uma das três noites de evento. Ao todo, sete mil pessoas viram as performances. Embora a produção não tenha informado o número de presentes na casa na última noite, era perceptível um grande número de cadeiras vazias, cerca de 30%. Bianco diz que os protestos realizados naquele dia, em São Paulo, teve reflexos em sua plateia. "Algumas pessoas que compraram ingressos ligavam dizendo que não iam conseguir chegar." Além de manter o WTC como sede em 2014, ele diz que vai insistir em trazer os melhores do gênero. "Como neste ano, queremos um elenco forte a cada noite."

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