O tempero étnico das baquetas de Stewart Copeland, o lendário baterista do Police, tem origens em sua infância, passada entre Beirute, Alexandria e Virgínia. Seu pai foi trompetista de renome nas big bands pré 2.ª Guerra, mas pôs de lado os pistões para trabalhar para a CIA e criar os filhos no Oriente Médio.
Stewart e os irmãos, todos influentes figuras da indústria fonográfica, cresceram entre o dumbek e o rock and roll. "Quando o punk explodiu, junto à onda de dub que se alastrou pela Inglaterra, pensei 'cara, tocar isto é moleza'", conta Stewart, em entrevista ao Estado de S. Paulo.
"Eu já tinha sacado como fazer a levada do reggae, porque era parecido com o ritmo baladi (de dança do ventre) que eu ouvira quando moleque. Era difícil para os outros caras. O Clash tentou. O primeiro punk reggae é deles, mas é meio tosco. O que eu acho deliciosamente irônico é que a música se chama Police and Thieves (polícia e ladrões). Nos éramos o Police, roubamos o conceito e chegamos ao topo", completa, com um sorrisinho.
Stewart esteve no País para se apresentar no PercPan, festival de percussão que foi realizado somente em São Paulo em novembro. Seu show, na segunda noite, foi parceria com o grupo La Notte de la Taranta, que toca o ritmo pizzica, uma espécie de sambão carcamano, tocado com um pandeiro, mesclado com pitadas de bouzouki, da Grécia.
"Por causa do nome do show, o pessoal confunde a pizzica com a tarantela", conta. "Eu digo f...-se à tarantela. A pizzica é o que há no Sul da Itália. Lá, os moleques levam as moças para a cama com um pandeiro, não com uma guitarra", explica.
Trata-se de uma banda de 20 bambas oriundos do Salento, no calcanhar da bota, que compactaram um festival tradicional em um show de duas horas. Na Notte de la Taranta italiana, um ritual folclórico sobre uma mulher que foi picada por uma tarântula é encenado. No ápice, os dançarinos entram em transe com a pizzica, como se a dança os libertasse do veneno da aranha.
Não faltam brechas para trocadilhos: "No ritual, o cara ou a moça são picados pela aranha e o veneno os põe em transe", conta Stewart. "É que no Sul da Itália as moças são famosamente difíceis. E dizem que o veneno da tarântula facilita as coisas. Nunca experimentei a picada, pelo menos não dessas aranhas. Mas reza a lenda que a picada da tarântula não é no braço (risos)", explica.
La Notte de la Taranta é o típico projeto de um músico maduro que já esteve no topo, mas agora se dedica à família e tira um sarro musical uma vez por ano. Vale à pena ser conferido pela sagacidade rítmica de Stewart e os bambas da pizzica, mas não se compara à produção do baterista em seu auge, quando integrou, com Sting e Andy Summers, o power trio mais popular do pós-punk.
"Nós éramos quatro ou cinco anos mais velhos do que o pessoal do punk. Tocávamos bem melhor que eles. Ganhávamos a vida como músicos de estúdio", lembra Stewart, sobre a formação do Police.
"Um dia fui a um show e vi um baixista que parecia ter um raio de sol iluminando-o da cabeça aos pés. Depois de muito esforço, consegui o telefone dele. Formamos um trio, mas o guitarrista não sabia tocar direito. Aí conhecemos o Andy, que estava em outro nível, musicalmente. Era o guitarrista top da cena. Um belo dia, o Andy chegou para mim e disse o seguinte: 'Eu gosto bastante do som de vocês. Eu aceito ser contratado' (risos)", lembra. "O resto é história", completa.
Sobre os famosos conflitos internos da banda, Stewart conta a sua versão: "Nós nos damos bem, sim. Brigamos e discutimos por causa da música. Esses contrastes são essenciais para o som do Police. Todo mundo sabe que a música do Sting é bonita. Mas nunca seria levada àquele limite afiado do rock se não houvesse conflito na banda. Para o Sting, tinha de ser bonito. Para mim, tinha de arrasar. E o resultado das nossas quedas de braço é o Police. A imprensa fala das minhas brigas com o Sting. Mas o Andy é tão filha da p... quanto nós dois", diz Stewart, que é considerado o quarto mais influente baterista de todos os tempos pela Rolling Stone.
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