Em tempos de pandemia, é preciso ouvir os cientistas e os humoristas. Não se sobrevive a um ano de notícias ruins, distanciamento social e com todo tipo de tragédias e restrições sem um pouco de comédia. “A única coisa boa desta pandemia é que os casados agora estão transando! Eu mesmo senti uma diferença. Minha mulher começou a ter mais vontade e querer mais sexo durante a pandemia. O que me fez pensar... Será que ela sempre teve essa vontade? Só que agora só tem eu ali”, contou Diogo Portugal, um dos precursores do Stand-up Comedy no Brasil.
Fazer graça com a covid e suas consequências foi quase inevitável para quem trabalha com humor. “Nós, os humoristas, fomos diretamente afetados pelo distanciamento social. Ficamos sem trabalhar, pois dependemos de um mínimo de aglomeração que é o público. O que nos sobrou, enquanto comediantes, foi fazer piadas com a situação, sobre a vida no confinamento, produzir conteúdos online, eventos por Zoom”, disse Portugal. A questão é (e sempre será) o tom ou o tal limite do humor. É possível fazer piada com algo tão sério? Para o humorista e músico Rafael Cortez trata-se de ter sensibilidade. “Eu me imponho a falar sobre o tema, a selecionar o que pode funcionar e que não soe de mau gosto. O meu humor não é à custa da chacota ou do sofrimento dos outros... Falo no meu show sobre isolamento social, sobre aquilo que estamos todos vivendo, mas não falo sobre morte, desemprego, intubação...” Cortez contou que seu show Antivírus foi todo criado a partir das observações que fez no auge da pandemia. “Eu colocava a minha máscara e saía andando pelo calçadão do Sumaré (bairro paulistano) para olhar o entorno. Aí, percebia, por exemplo, as pessoas nas janelas, nas varandas, talvez fofocando coisas como ‘você viu o vizinho usando o auxílio emergencial para pedir pizza’”, brincou.
Alguns humoristas têm uma abordagem diferente e não acreditam em nenhum limite para o humor – mesmo em tempos pandêmicos. “Humor não tem limites, mas hoje em dia não duvido que uma piada sobre a covid faça alguém se ofender em nome do vírus. Talvez justifiquem que não posso fazer piadas, pois não sou um vírus e ali não é meu lugar de fala. Piadas não degradam o ser humano, apenas lembram que ele é um ser degradado”, comentou o comediante Léo Lins. É inegável que a pandemia, e seus desdobramentos, oferece um farto material para a comédia. “A prefeitura de Nova York chegou a lançar um manual do sexo durante a pandemia – com recomendações técnicas e conselhos do tipo ‘masturbação é o tipo de sexo mais recomendável’”, falou a atriz e comediante Angela Dippe. Não à toa Angela está escalada para uma apresentação no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, nos dias 10 e 11 de março, com a estreia do Protocolo Sexual Pandêmico. “Acho que o humor tem um salvo-conduto para brincar, mas com noção e bom senso. No meu espetáculo tenho coisas como: ‘Sempre gostei de sair com caras mais jovens, o problema é que as crianças são assintomáticas’. Ou diria que transar com os vacinados é mais seguro. Ou seja, com os maiores de 80 anos”, disse. Angela lembrou que durante a pandemia os comediantes também viraram “um pouco ativistas”. “Não brigamos por políticos, mas por uma causa. Com lives e outras ações, acredito que conseguimos alertar as pessoas para os cuidados contra a covid de uma forma legal”, finalizou. Especializado em falar com professores, o comediante Diogo Almeida revelou que o cotidiano de seu público foi um prato cheio para o humor durante a covid. “Essa adaptação para o home, as aulas virtuais, tudo isso rendeu muito”, afirmou. “Os professores já estão preocupados com os nomes dos seus futuros alunos, em um mundo pós-pandemia. Imagina a ‘Ana Cloroquina’, a ‘Aztrazenica’, o ‘Pazuelozinho’”, enumerou Almeida. Aliás, como você mantém as escolas abertas no meio de uma pandemia se uma criança sozinha já é uma aglomeração? Não por acaso os pais já colocam nomes compostos como ‘Pedro Henrique’, ‘João Guilherme’... Dentro dessas crianças, já mora mais de uma pessoa”, completou. Para o também humorista Emerson Ceará, a comédia busca brechas na realidade. “Tem a vacinação, gente que não quer se vacinar, lockdown, home office, Big Brother Brasil...Tudo o que está no nosso cotidiano pode virar piada”, contou Ceará. O humorista chegou a pegar covid e, sem grandes complicações, escreveu textos sobre a doença. “Eu falo que peguei covid e tentei passar para quem não gostava – inclusive minha sogra.” Já a comediante Bruna Braga, que disse não ter escrito especificamente nenhuma piada sobre o vírus, vive um bom momento profissional. “Quando a pandemia começou, eu tinha 80 reais na conta. Agora, as coisas melhoraram. No início, chorei em posição fetal como todo brasileiro. Depois, fui atrás, prospectei clientes, fiz shows online para empresas, happy hour online e aniversário de tia pelo Zoom. As pessoas estão buscando entretenimento nesta pandemia”, garantiu. Bruna afirmou que a demanda do humor aumentou porque o público o está reconhecendo como ferramenta para amenizar este período de sofrimento e para a saúde mental. “O humor não substitui medicação nem psiquiatra, mas consumir comédia faz bem, cria empatia e produz relaxamento. Acho que, por isso, os próprios humoristas estão mais cuidadosos com o trabalho e se dando mais importância.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.