Dois fatores orientaram a organização da mostra No Círculo de Luz/Na Asa do Sol, em cartaz na Galeria Frente: a qualidade formal de obras raramente vistas – e até inéditas – no circuito e a sua importância no desenvolvimento artístico do pintor Candido Portinari (1903-1962), cujos 120 anos de nascimento estão sendo comemorados com a exposição e o lançamento de um livro com todas as 100 obras da exposição selecionadas pelo crítico Jacob Klintowitz.
O livro, um luxuoso catálogo, abre com um poema escrito pelo próprio Portinari, que nele conta sua frustração de não ter visto a crucificação do retábulo de Issenheim do alemão Mathias Grünewald (1470-1528) na cidade francesa de Colmar. O poema, produzido em novembro de 1961, um ano antes da morte do pintor brasileiro, relata sua peregrinação à cidade que faz fronteira com a Alemanha.
Portinari chegou ao museu de Colmar na hora em que os funcionários fechavam as portas e viu o Cristo de Grünewald apenas por uma fresta, segundo relata Klintowitz no livro. Foi um fragmento do poema Grünewald, de Portinari, que inspirou o título da exposição da Galeria Frente. Um título revelador: ao se despedir de Grünewald pela porta entreaberta, Portinari estava igualmente se despedindo da vida e empreendendo sua viagem para a luz.
Pode parecer contraditório o apego à obra sacra desse representante do Renascimento na Alemanha pelo pintor brasileiro, laico e fiel ao comunismo, mas não quando se vê, por exemplo, um desenho produzido por ele em 1960 para ilustrar o romance Terre Promise, de André Maurois, história de uma mulher dividida entre a fé por um ideal e a incapacidade para o prazer carnal. O ascetismo da obra de Portinari, de certa forma, resolve esse dilema espiritual ao eleger como protagonistas gente sofrida (retirantes e deserdados sociais) ocupando o lugar do Cristo de Grünewald.
A exposição tem exemplos de obras feitas sob encomenda que celebram atos religiosos como A Primeira Missa do Brasil (1948), esboço em grafite sobre papel do painel de grandes dimensões (265 cm x 598 cm) pintado no mesmo ano para decorar a sede carioca do extinto Banco Boa Vista, projeto de Niemeyer, igualmente um arquiteto comunista e criador de igrejas. A encomenda foi feita pelo presidente do banco, Thomaz Saavedra, nome associado a outras obras na exposição da Galeria Frente, dirigida por Acácio Lisboa.
A galeria tem sido muito visitada por escolares e pessoas do interior do Estado, segundo o leiloeiro James Lisboa, pai de Acácio. Justificável. Há na exposição de Portinari obras históricas como o esboço (1950) da tela O Descobrimento do Brasil, exemplo de uma alegórica fragmentação cubista que pertenceu à coleção do escritor e amigo Antonio Callado (Quarup), a quem foi dedicada a obra.
Os desenhos que representam trabalhadores rurais e operários se destacam na exposição, especialmente os da série Ciclos Econômicos do Brasil, esboços para as pinturas murais do Palácio Gustavo Capanema no Rio (antigo Ministério da Educação e Saúde). Um deles, de 1938, destaca o homem carregando uma barra de ferro que aparece ao lado esquerdo do afresco.
Outra série histórica de esboços, a dos desenhos para os painéis Guerra e Paz, feitos para o prédio da ONU, em 1956, ocupa a mostra, que tem ainda uma série de retratos pintados (do crítico Antonio Bento e Maria Amélia Paulo Filho, cedido por João Portinari, filho do pintor). Portinari era um excelente retratista e jamais abjurou sua formação acadêmica. Foi um moderno apegado à tradição. O livro sobre o pintor será lançado dia 6/5, a partir das 10 horas, na Galeria Frente e custa R$ 250.
Portinari: No Círculo de Luz/Na Asa do Sol
Galeria Frente. Rua Melo Alves, 400. 2ª a 6ª, 10h/18h. Sáb., 10h/14h.
Lançamento do livro em 6/5, a partir das 10h. Até 13/5.
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