Não tem sido fácil segurar a barra durante a pandemia. Mas os benefícios para quem decide segurá-la, literalmente, são inegáveis. Entre eles, uma maior consciência corporal, o fortalecimento dos músculos, a melhora da autoestima e aceitação. O pole dance tem mudado a vida de muita gente.
O primeiro ponto é que a modalidade já não é vista com tanto preconceito. Durante muitos anos, ao pensar em pole dance, as pessoas eram transportadas para um clube de strip-tease – como se a prática fosse apenas um artifício sensual para arrancar dinheiro de clientes animados. Óbvio, não é isso. O pole dance pode ser absolutamente sensual, mas também é dança, exercício físico recomendado para todas as idades, atividade com efeitos terapêuticos e esporte com pretensões olímpicas. A professora de pole dance Juliana Muniz, de 37 anos, é exemplo de como a barra pode ser uma agente de mudança na vida das pessoas. Com um histórico de abandono, vida nas ruas e vício em drogas, ela viu uma luz no fim do túnel quando conheceu o pole dance. A barra trouxe para Juliana uma profissão e a porta de saída para os seus problemas. “Hoje, sou dona de um estúdio, dou aula para homens e mulheres. E participei de campeonatos dentro e fora do País”, contou. Durante a pandemia, Juliana seguiu com aulas online para manter o próprio estúdio em funcionamento. Agora, com o início da retomada, o número de alunas triplicou. “O pole dance virou uma opção segura. A prática exige distanciamento de uma barra para outra, de um metro e meio a dois metros. Elas são limpas o tempo todo para que as pessoas não escorreguem. Além do uso da máscara e do álcool em gel”, enumerou. Juliana explica que pole dance não é terapia, mas “ajuda no psicológico”. “Quando consegue realizar uma manobra, você entende que é capaz de fazer qualquer coisa na vida”, afirmou. A empregada doméstica Valdecira Bezerra Santana, de 60 anos, foi uma das pessoas que tiveram a vida tocada pelo pole dance. “No começo, fiquei meio sem jeito. Ficava tímida e tinha vergonha do meu corpo. Aos poucos, fui relaxando. Fiz amizades, as pessoas me tratam bem”, contou. “Além disso, tenho o apoio dos meus filhos e da família.” Além de um exercício para todas as idades, o pole dance não faz discriminação de gênero. O professor de inglês Pedro Henrique Rodrigues de Albuquerque, de 21 anos, diz que “a sociedade ainda olha de modo diferente para homens que praticam pole”. “Minha mãe mesmo estranhou no começo. Mas, aos poucos, foi entendendo. Tem me ajudado durante a pandemia, me fez conhecer melhor meu corpo e trabalhar os músculos”, revelou. A também professora de pole dance Vanessa Esteves Reichert, de 38 anos, contou que as pessoas procuram o pole sem saber o quanto essa prática pode fazer bem, com reflexos em aspectos físicos e psicológicos. “Criamos um ambiente em que as pessoas se elogiam e se sentem seguras. Nas aulas, elas entendem que o corpo pode fazer coisas incríveis. E isso independentemente da forma. A pessoa pode ser alta, baixa, gorda ou magra, não importa. O pole tem preenchido muitas vidas e levado a transformações importantes”, contou. Thaís Forte, de 35 anos, professora de pole dance, explica que existem três vertentes básicas: a esportiva (com federações e órgãos internacionais), o exótico (que é performático, sensual, mais relacionado à dança e é praticado da metade da barra para baixo) e o pole clássico (que seria uma mistura dos outros dois estilos). “Vem muita gente buscando pole como se fosse uma terapia. Não é. Pode ser terapêutico. Ajuda, sim, a vencer a ansiedade, mas não é uma terapia”, garantiu. “Claro, há ganhos emocionais. Ao escalar uma barra ou virar de ponta-cabeça, a pessoa se sente motivada e tem ganhos em outros aspectos da vida. Por exemplo, se um chefe ou um namorado falam uma bobagem, a mulher que faz pole se sente empoderada para não aceitar esse tipo de situação”, contou.
Thaís também acredita que o preconceito em relação à modalidade está ficando para trás. Ainda assim, costuma responder a perguntas sobre os trajes usados durante a prática. “O figurino é curto porque a gente precisa que haja aderência da pele na barra. Não é para parecer com uma stripper, mas para se segurar.” Professora do Maravilhosas Corpo de Baile (um grupo de dança com foco em empoderamento feminino), Grazi Meyer, de 42 anos, disse que o seu grupo é formado por pessoas que respeitam a quarentena e que, por isso, migraram para o online. “As praticantes adaptaram os espaços de casa, compraram barras e seguiram as aulas”, observa. Hoje, é possível comprar barras móveis ou fixas para instalação em casa. Os preços das barras variam de R$ 800 a R$ 2 mil. “Com a pandemia, pessoas que nunca fizeram pole criaram coragem para realizar sonhos antigos”, completou Grazi. A jornalista Juliana Washington, de 44 anos, tem uma barra de pole dance em casa desde 2015. “Eu também praticava em estúdios, mas nunca fui muito de academia. Mesmo com as aulas, praticava em casa. Então, um pouco antes da pandemia, comecei a fazer apenas em casa mesmo”, comentou. Juliana lembrou que a instalação da barra foi simples, mas é importante “medir certinho a altura entre o chão e o teto”. “Eu mesma instalei. A minha é de pressão. Foi fácil. Acho até que é possível usar tutoriais da internet para praticar movimentos simples, mas, para manobras mais complicadas, é necessário ter acompanhamento profissional para não se machucar”, recomendou. A barra de Juliana está instalada na própria sala. Ela fala da importância para a autoestima do pole na própria vida. “Quando você pratica e, por exemplo, acompanha os próprios movimentos olhando no espelho, vai se observando e se aceitando cada vez mais”, disse.
Olimpíada
Já há um movimento mundial para a transformação do pole dance em esporte olímpico. Competições profissionais já existem em muitos países – com a execução de movimentos obrigatórios, jurados e pontuação por exercício. Hoje, 36 países têm federações voltadas ao pole dance. No Brasil, a entidade máxima é a Confederação Brasileira de Aéreos e Pole Sports. O presidente da Confederação Brasileira, Antônio Kummel, de 42 anos, explica que o processo para a transformação em esporte olímpico está em pleno andamento. “O próximo passo é atingir a marca de 40 federações ao redor do mundo – à qual devemos chegar até o final deste ano”, contou. A partir desse número, o processo de transformação seguirá o trâmite que outras modalidades realizaram para alcançar a inclusão nos jogos. Em 2025, o Brasil será sede do Campeonato Mundial de Pole Sports. O evento vai ocorrer em Foz do Iguaçu, no Paraná. A expectativa é a de que o País receba aproximadamente 400 atletas. “No País, ainda há muita dificuldade para saber exatamente o número de praticantes. O que sabemos é que, na categoria esportiva, temos algo entre 5 mil e 10 mil pessoas”, falou.
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