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Contra a opacidade

Apesar de resistências, a partir do dia 16 a divulgação de documentos públicos passa a ser regra - e o sigilo, exceção

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Por João Paulo Charleaux e Rafael Custódio

O Brasil passa a contar a partir da próxima quarta-feira com uma lei que garante a qualquer cidadão o amplo acesso a informações dos poderes públicos. A Lei nº 12.527/2011, de Acesso à Informação, busca disciplinar e efetivar o exercício do direito fundamental de acesso à informação - previsto no artigo 5º da Constituição Federal - e, entre vários reflexos, certamente tornará o poder público mais transparente e aberto.

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Com um instrumento legal claro e regulatório em mãos, a sociedade passa a ter ferramentas efetivas para saber melhor o que se passa atrás de algumas portas e dentro de gavetas dos palácios, ministérios e secretarias do Executivo, não apenas em Brasília, mas também nos Estados, municípios e embaixadas brasileiras ao redor do mundo. Os Poderes Judiciário, Legislativo, os Tribunais de Contas e o Ministério Público também serão obrigados a, finalmente, acender suas luzes. Tudo, absolutamente, é objeto da nova lei. E todos os que de algum modo recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos, se subordinarão a ela.

Em verdade, esse processo de abertura não será fácil. Baixar novas normas é sempre menos complicado do que mudar culturas e vencer burocracias arraigadas desde tempos coloniais. Todavia, se é inegável que a lei em questão fixou exíguos seis meses para que os órgãos se adaptem, não é menos verdade que o projeto de lei que originou a Lei de Acesso à Informação foi enviado ao Congresso nos idos de 2009, e aprovado no fim de 2011. Logo, é evidente que o tema já vem sendo debatido há anos e nada impedia que as instituições se antecipassem, na medida do possível, em relação ao objeto das propostas. Infelizmente, a cultura da opacidade é quase onipresente no País e muitas de nossas instituições ainda querem lutar em sentido contrário ao ideal republicano da transparência que fundamenta e orienta a formação do nosso Estado.

De qualquer forma, o que importa é que os tempos de escuridão e indiferença dos entes públicos estão com os dias contados. Ressalvadas algumas hipóteses excepcionais previstas na lei quanto à necessidade do sigilo, a regra - como já previa o texto constitucional, desde 1988 - é a publicidade, e o sigilo só pode ser exceção.

A ausência ou incompletude de informações em temas de grande relevância tem dificultado que ocorram debates francos dentro de uma sociedade. O sistema prisional paulista, por exemplo, onde está cerca de um terço dos presos do País, tem gargalos de informação, principalmente relacionados às mulheres presas. Esse déficit de dados inviabiliza uma profunda e firme discussão sobre o tema, já que o quadro que se pinta daquele cenário é borrado, quando não incompleto. Assim, a busca pela transparência e divulgação de informações deve ser objeto de incansável persecução, na medida em que a sistematização de informações pelos entes públicos ajudará no desenvolvimento de políticas públicas que tratem daquela questão.

Outro exemplo que podemos citar é que hoje se aguarda que o relatório do Subcomitê para a Prevenção da Tortura da ONU, produzido após visita realizada ao Brasil no ano passado no intuito de monitorar a situação da tortura e de maus-tratos em unidades de privação de liberdade, seja trazido a público pelo governo federal. A divulgação do documento certamente contribuirá para um debate mais rico entre poder público e sociedade civil acerca do tema, consubstanciando-se em grande oportunidade para que o País finalmente enfrente o assunto de forma firme e aberta.

Além de criar a responsabilidade de atender a requerimentos de informação, a lei impõe aos órgãos públicos a obrigação de praticar a chamada transparência ativa. Independentemente de demandas, mesmo os órgãos conhecidos pela pouca afeição à publicidade e transparência, como o Ministério das Relações Exteriores, terão que disponibilizar em seus sites informações de forma constante. Em uma época de ascensão do papel do Brasil no mundo, é inadmissível que ainda não exista nesses órgãos a cultura de divulgar informações sistematizadas.

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Como resultado, se espera não só um crescente desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública - e do seu controle social -, mas também que tenhamos ao longo do tempo uma sociedade mais fiscalizadora, participativa e propositiva, capaz de contribuir para a adoção de políticas públicas pertinentes. Em um ambiente no qual o debate dialético entre representantes e representados terá mais qualidade, já que não mais somente um dos lados terá o monopólio da informação, os resultados tenderão a aparecer, e espera-se, aprimorados, uma vez que serão objeto de análise e debate prévios, sob diversas óticas.

Por fim, cabe ressaltar, a nova lei dispõe expressamente que "as informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso". Bem-vinda, pois.      

RAFAEL CUSTÓDIO É ADVOGADO, COORDENADOR DO PROGRAMA DE JUSTIÇA DA CONECTAS DIREITOS HUMANOS.

JOÃO PAULO CHARLEAUX É JORNALISTA, COORDENADOR DE COMUNICAÇÃO DA CONECTAS.

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