Discutir literatura a fundo pode ser uma conversa específica, mas alguns podcasts conseguem tratar do assunto oferecendo para o leitor – e, por que não, ao aspirante a escritor – elementos a serem incorporados no seu processo para entender as leituras de maneira mais profunda, inclusive estabelecendo conexões com outros processos intelectuais que emprestam à literatura novas camadas.
Um dos mais interessantes do meu feed é o Litterae – O Seu Podcast de Literatura, com apresentação da escritora e editora de livros Anita Deak e do escritor e professor de literatura Paulo Salvetti. Deak tem formação em jornalismo, passou por diversas redações e fez a transição para o mercado editorial em 2012, e é também autora de Mate-me Quando Quiser, livro finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2013. Salvetti é mestre em Teoria e Crítica de Arte e especialista em História da Arte, além de escritor, autor do romance Cara Marfiza (Reformatório, 2019), elogiado pela crítica.
A experiência dos dois apresentadores conta muito a seu favor quando eles levam ao podcast escritores de diferentes estirpes e gerações para falar sobre o universo dos livros – mas o mais interessante é como eles encaixam os depoimentos em diálogos elaborados sobre os assuntos tratados.
Por exemplo, no episódio mais recente (Construção de Personagem – Como Criar a Partir da Psicanálise), a psicanalista e pesquisadora Fabiane Secches explica no início algumas das conexões entre a psicanálise e a literatura, citando o amplo reconhecimento de Freud também como escritor e leitor atento. Os dois apresentadores então entram num debate listando como elementos daquele campo – como pulsão e desejo – podem ser usados para a criação de personagens complexos no âmbito da literatura.
Em outro episódio, com Carlos Henrique Schroeder e Ricardo Lísias, são discutidos os modos de usar a autoficção. Cristina Judar e Itamar Vieira Junior falam sobre a existência do lugar de fala na ficção, e Márcia Barbieri, Natalia Timerman e Luiza Romão contribuem no debate sobre a existência de uma literatura feminina. Aspectos do mercado editorial, como a autopublicação, também são temas das conversas. Os depoimentos são sempre entrelaçados com o diálogo afiado dos dois apresentadores.
Com 19 episódios lançados até agora (sempre às segundas-feiras), com em média uma hora, o podcast vai consolidando seu caminho na oferta ampla, porém ainda irregular, de programas brasileiros de literatura para ouvir.
Eu gostaria de usar esse espaço também nas próximas semanas para avaliar podcasts de literatura, voltados à leitura: nos primeiros meses da quarentena, os serviços de streaming notaram um crescimento na demanda por podcasts de leitura de literatura infantil – usados, imagino, como distração e estímulo para as crianças em casa. Mas também quero buscar opções brasileiras que leiam conteúdos sem restrição de idade ou mesmo adultos. Nos EUA, a revista The New Yorker mantém o The Writers’ Voice, onde os próprios autores dos contos publicados leem suas histórias, aproximando o podcast do audiolivro. Quem souber de algo parecido no Brasil, peço gentilmente que entre em contato com a coluna por e-mail (guilherme.sobota @ estadao.com).
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