Musa brasileira em Londres, Marina Silva fala sobre sua luta ambiental, o "novo" na política e as eleições de 2014
Marina Silva está num intervalo. Aos 54 anos, quer discutir a crise política no Brasil antes de lançar uma legenda. "Não tenho ansiedade tóxica de criar um partido", declara. Terceira colocada nas eleições presidenciais de 2010, com quase 20 milhões de votos, ela não descarta a possibilidade de concorrer ao Planalto de novo, em 2014. Mas tem uma certeza: não quer voltar ao Senado, onde ocupou uma cadeira por 16 anos.
Apesar do reconhecimento internacional na defesa do meio ambiente, Marina reclama da falta de respaldo à agenda verde no Brasil: "Mesmo com as pesquisas apontando que 84% da população não querem mudanças no Código Florestal, isso continua sendo tratado como assunto de minoria".
Além de se dedicar ao debate sobre o Código, ela atende a candidatos em busca de apoio político - mas decidiu não emprestar seu prestígio a nenhum dos prefeituráveis neste primeiro turno, no Rio e em São Paulo.
Espécie de musa brasileira inesperada na Olimpíada de Londres, a ex-ministra desfilou entre oito seletos representantes de causas caras à humanidade. Ex-seringueira, não imaginaria tal cena nem mesmo em uma "crise de megalomania". Nesta entrevista, concedida em um restaurante de comida natural, em Brasília, Marina conta que, antes de entrar na arena, sentia dores no nervo ciático e no pé - que, misteriosamente, desapareceram: "Quando entrei, eu flutuava como uma pluma. Não sentia dor, não sentia nada".
Afinal, a senhora vai fundar um novo partido?
Estou centrada em um movimento transpartidário. Se tivesse pressa, teria saído do PV e entrado nesse processo imediatamente. Naquele momento, fizemos uma discussão entre políticos, pessoas da academia e da juventude. Achamos que o melhor é iniciar um debate sobre a crise da política no Brasil. Sem isso, qualquer criação de partido passa a ser puramente eleitoreira. No momento, todos estão convencidos de que criar um partido da noite para o dia seria uma aventura. Eu tenho ficado muito tranquila. Não tenho uma ansiedade tóxica.
Então, não haverá partido?
Não estou dizendo isso. Se aqueles que querem um partido conseguirem densidade de propostas e profundidade em termos de ideais e a integração de um grupo relevante, é legítimo que se crie um partido.
A senhora tem conversado com muitos políticos?
Um movimento transpartidário é isso. As pessoas estão vindo conversar comigo, muito mais para saber se há possibilidade de algum apoio político para suas candidaturas a prefeito ou a vereador - o que estou avaliando com respeito e cuidado, à luz de interesses puramente programáticos da agenda socioambiental.
Como esse movimento funciona na prática?
Ele é muito incipiente. Estamos trabalhando para ter uma carta de princípios que tenha densidade, diretrizes programáticas e um grupo de animadores no plano nacional que se desdobrem nos estados. Sabemos muito mais o que não queremos do que aquilo que queremos. Para mim, não ter ainda as respostas não é um problema - mas a oportunidade de encontrar soluções. Por isso, não tem problema conversar com Cristovam Buarque, Eduardo Suplicy, com José Eli da Veiga, Eduardo Giannetti, Neca Setubal. Eles não são do meu grupo, eu faço parte do grupo deles.
Está escolhendo a dedo a quem emprestar seu apoio?
Acho que "escolhendo a dedo" seria uma coisa arrogante. Estou procurando ser coerente e quero que eles também sejam. Não se pode, para ganhar voto, se comprometer com uma agenda e, depois da eleição, rasgá-la.
Em São Paulo, apoiaria algum candidato a prefeito?
Não tenho nenhuma identificação programática com as candidaturas que estão postas. Tive uma excelente relação de convivência com o Haddad, mas, infelizmente, acho que esse episódio do apoio do Maluf revela que era impossível qualquer proximidade. Além disso, tivemos uma discussão difícil sobre o Código Florestal e não vi nenhum deles se colocando numa posição contrária a este retrocesso.
Apoiará Marcelo Freixo no Rio?
Temos dois bons candidatos, a Aspásia Camargo e o Freixo. Ela e o Alfredo Sirkis foram importantíssimos no episódio fantástico da candidatura de 2010. Tudo indica que minha posição será não assumir nenhuma dessas candidaturas, mas torcer e trabalhar para que o eleitor carioca provoque um segundo turno. Se um desses candidatos chegar lá, terá o meu apoio.
A senhora foi a terceira via na eleição presidencial. Agora, candidatos a prefeito de São Paulo se apresentam como o "novo".
O "novo" não pode ser uma questão puramente de estilo, de retórica, imagética, acústica. Ele se realiza na denúncia de algo que está estagnado. E está estagnada a forma de os fins justificarem os meios para ganhar uma eleição, das políticas de curto prazo para alongar o prazo dos políticos. Cada vez mais está surgindo um sujeito político com capacidade de autoria, que não vai se engajar em projetos de novidadismo. Não basta buscar uma forma com aparência do "novo" - é preciso ter conteúdo criativo, produtivo, transformador.
Após sua saída do PV, houve acusações de que usou o partido.
Não sei se ter uma campanha vitoriosa, com quase 20 milhões de votos, é uso de alguém que foi convidado e filiado de forma aberta. Depois do movimento "Vem, Marina", foi feito o movimento "Sai, Marina". Se isso tem qualquer caráter de uso... Eu me senti produzindo algo relevante para a política brasileira, um legado.
Como foi o convite para participar da abertura da Olimpíada?
Primeiro, pediram minha imagem para passar no telão na abertura. Achei que fosse só um flash rápido. Depois, me ligaram e disseram que eu teria uma participação presencial, que teria de ir, no dia seguinte, para Londres e que era algo sigiloso. Nem nós sabíamos quem eram os outros. Até Muhammad Ali só soube horas antes.
Como vê, hoje, o mal-estar criado na comitiva do governo?
Prefiro ficar com a declaração da presidente Dilma, que disse que estava feliz e orgulhosa com a minha participação. Imagino que ela estava considerando que ali havia uma causa, não uma pessoa. Senti um misto de profunda gratidão, alegria, peso e responsabilidade. Aquilo foi muito mais do que eu poderia imaginar. Se algum dia eu acordasse com uma crise de megalomania, não conseguiria imaginar aquela cena.
O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, disse que a senhora foi convidada por ter ligações com a corte real inglesa...
Acho que o presidente do Comitê Olímpico Internacional deixou muito claro que existia autonomia para fazer uma festa e que não tinha esses atravessamentos de governo. Eu estava muito feliz de estar no patamar da humanidade. O meu ciático doía, o pé não estava adequado no sapato, mas, na hora em que eu entrei ali, eu flutuava como uma pluma. Não sentia dor, não sentia nada. Senti, sim, que, naquele momento, o Brasil tinha duas mulheres. Não dava para ver quem estava na tribuna de honra, mas eu sabia que a nossa presidente estava lá. Sabia que ali se dizia que o meio ambiente é um dos temas para a paz, para o equilíbrio e para a vida do planeta. E que o Brasil é uma fonte de inspiração para isso.
A senhora fala com respeito de Dilma. Não tem mágoa dos embates que tiveram no governo Lula?
Não tenho mágoa nem dela nem do Serra nem de ninguém. Sei separar as coisas - o que são divergências políticas, o que é falta de respeito e o que são assuntos pessoais. A minha crítica aos retrocessos que ela e seu governo estão fazendo, destruindo a legislação ambiental, é uma questão de mérito. E como ainda estamos nos dois primeiros anos de governo, há tempo de corrigir.
Por que chorou ao saber da reação do governo com a sua presença na abertura?
Saímos do centro olímpico à 1h da manhã e fui dormir às 5h. Dormi um pouquinho porque tinha entrevistas marcadas ao meio-dia. Quando desci, uma repórter disse que minha participação tinha criado um clima muito ruim para o governo brasileiro, que considerou aquilo uma afronta. Eu fiquei emocionada. Agi como qualquer ser humano agiria.
O que achou da criação do Partido Ecológico Nacional, que surgiu com as vertentes ambiental e evangélica?
Não conheço esse partido. Mas o PV, sim, surgiu de uma vertente ambiental forte, com Gabeira, Sirkis e todos aqueles que trouxeram o ideário verde para o País. Eu desconheço que esse novo partido tenha uma raiz ambiental.
Considera ir para o PSOL?
Tenho boas relações com pessoas do PSOL, muito referenciada na Heloísa Helena. Gosto do senador Randolfe Rodrigues. O deputado Ivan Valente teve uma postura muito correta no Código Florestal. Mas temos muitas diferenças ideológicas. Na campanha, o Plínio de Arruda Sampaio fazia questão de me chamar de ecocapitalista e de "Polyanna". Não tenho uma visão de ruptura. É impossível. O Brasil não vai se tornar uma matriz energética 100% limpa e segura numa ruptura, da noite para o dia.
Dizem que a senhora tem planos de sair candidata ao Senado por Brasília.
Não. Quem disse isso mentiu. Respeito o eleitor de Brasília, que me deu quase 42% dos votos na eleição presidencial, mas não tenho nenhuma intenção de mudar o meu domicílio eleitoral do Acre. Quero fazer no meu estado um trabalho na sociedade, porque já dei minha contribuição política por lá. Não tenho nenhuma pretensão de ser candidata ao Senado - nem no Acre e nem em Brasília. A única coisa que não sei é se vou sair candidata a presidente da República.
Na sua visão, seria um problema concorrer com uma Dilma forte em 2014?
O que posso dizer é que Lula era muito forte com a sua candidata em 2010, Serra era também muito forte com o seu partido. Mesmo assim, eu e Guilherme Leal fomos candidatos. Isso até me lembra um provérbio bíblico que diz: "Quando estou fraco, então sou forte". /PAULA BONELLI
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