David Grossman chega ao Brasil na semana que vem. O escritor israelense participa terça-feira, ao lado do britânico Ian McEwan, da série de encontros que marca o aniversário da Companhia das Letras. Adriana Calcanhotto, Denise Fraga e Wagner Moura vão ler textos dos autores, no Sesc Pinheiros. Abaixo trechos da entrevista do autor, por telefone, à coluna.
No seu último livro, O Inferno dos Outros, o personagem principal é um comediante que faz a plateia rir, mas também cria situações constrangedoras. Como foi a elaboração ? Sempre começo imaginando as características físicas. Preciso saber como ele é, como anda, como se move. Esse é meu jeito de me tornar ele. Então, se eu tiver sorte, começo a ver esse personagem. No caso do Dovale, sei o que vai dizer para a plateia, onde estão suas fraquezas, como fica furioso ou mais terno e delicado. É tão divertido poder imaginar como algo assim se torna vivo e depois fica difícil despedir-se, porque ele se torna muito concreto. Dovale passa por uma situação traumática na infância. Acha que o humor pode ser uma fuga para essas situações? O humor pode ser útil em diversas situações porque é libertador. Ser bem humorado, mesmo nas situações mais desesperadoras, pode ser uma forma de não se vitimizar.
Recentemente houve uma polêmica na França sobre o Charlie Hebdo e também sobre o humorista Diedonne Mbala Mbalam que fez piadas sobre o Holocausto. Como vê as contradições entre humor e política? O princípio mais importante é a liberdade de expressão. Eu sou capaz de tolerar piadas horríveis em razão desse princípio. Ninguém deve ser proibido de fazer piadas com o Holocausto, mas acredito que, essencialmente, só às vítimas de uma tragédia como essa é adequado fazer piada com isso. Do contrário, égrosseiro e traduz uma certa falta de sensibilidade.
Dovale é um personagem complexo, pendular. Um dos grandes prazeres do escritor é explorar essa complexidade humana? É um prazer tão grande... Quando estou escrevendo, passo oito horas explorando, refletindo sobre como as pessoas se relacionam, pensando sobre a minha vida, a vida das pessoas que eu conheço. O trabalho da escrita é de precisão para que o leitor entenda sobre o que se está falando. É um privilégio.
Você é um ativista da paz. Como vê o Brexit ou o resultado do plebiscito da Colômbia, que de certo modo desafiam os movimentos de paz? É uma tendência mundial? E adicionaria a essa lista Donald Trump. Acho que mostra algo sobre o sentimento das pessoas que se sentem excluídas. E a maneira de rebelar-se é escolher líderes que não são racionais, mas emocionais, impulsivos. Acho que eles estão levando o mundo para uma direção perigosa, sem comprometimentos e com um discurso de ódio por tudo que é diferente de seu grupo. Vamos testemunhar uma era turbulenta, com mais atos terroristas e com mais governos de direita.
Você já afirmou que o conflito entre Israel e Palestina não é um jogo de futebol. Nesse contexto como vê ações como o BDS (movimento de boicote a Israel)? Na sua opinião eles não miram justamente em quem pode provocar reflexão, como os intelectuais? Não acredito no BDS como um caminho para a paz. Acredito que as coisas alcançadas com diálogo são mais sólidas do que as que acontecem por pressão - ainda mais se apenas um lado é pressionado. Além disso, existe um forte sentimento entre os israelenses de que sempre foram perseguidos. E o BDS contribui para o crescimento desse sentimento, empurrando os israelenses de esquerda para a direita.
Como explica a popularidade do BDS ajudada pelo apoio de alguns artistas? É algo novo, nunca foi feito. E também porque há elementos antissemitas. Acho que eles não querem que Israel acabe com a ocupação, mas que Israel não exista. E não vou colaborar com isso. Continuo lutando a minha guerra contra a ocupação e minha guerra pela paz, sem apoiar o BDS.
Você cita muito o sentimento de fragilidade da existência entre os israelenses. Acredita que isso é superável? É muito difícil para povos que experimentaram perseguições, exílio e extermínio liberar-se desses medos existenciais. Acho que fazer paz com nosso vizinhos é o começo do "tikun" (reparação) dessa distorção. O problema é que nossos lideres, em especial Benjamin Netanyahu, sabem como manipular esse sentimento. Eu nunca ouvi ele dizer uma frase sobre um futuro promissor para os israelenses. Ele continua estimulando esse instinto de ansiedade, de que estamos sendo perseguidos. Minha ideia é diferente, temos que superar isso e buscar uma vida normal, sem medo de morrer. / MARILIA NEUSTEIN
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