Anos atrás, eu estava respondendo obstinadamente às perguntas de um teste padronizado de desempenho do ensino médio, eme lembro de ficar me perguntando o que era um “midden” [monturo]. Ainda assim, o primeiro verso e sua agradável melodia de “reader to rider” [leitor ao cavaleiro] ficaram na minha cabeça. Só mais tarde soube que eram as palavras iniciais de um poema de W.H. Auden, que se tornaria um dos meus escritores favoritos.
A Princeton University Press acaba de publicar The Complete Works of W.H. Auden: Poems, Volume I: 1927-1939 e The Complete Works of W.H. Auden: Poems, Volume II: 1940-1973, editados pelo infatigável executor literário do poeta, Edward Mendelson. Juntos, o par reimprime cada coleção publicada durante a vida do poeta, bem como obras e fragmentos não coletados ou rejeitados. Notas meticulosamente detalhadas fornecem a história bibliográfica de cada poema e rastreiam as revisões e ajustes obsessivos de Auden. Os dois volumes – ao preço de US$ 60 cada – chegam a 2 mil páginas e são uma verdadeira pechincha, um triunfo acadêmico deslumbrante para Mendelson e Princeton. Além disso, formam a pedra angular do monumental The Complete Works of W.H. Auden: Prose, que inclui seis volumes publicados anteriormente reunindo todos os ensaios, palestras, peças e escritos juvenis do poeta americano-britânico.
Muitos leitores, reconhecidamente, ficarão felizes apenas com a edição da Vintage de Selected Poems of W.H. Auden, também editada por Mendelson. Ainda assim, é fácil se tornar um completista quando se trata de Auden. Minha paixão realmente pegou fogo no Oberlin College depois que conheci Robert Phelps, o jornalista literário pai de um dos meus colegas de quarto. Robert não só dava um curso sobre Auden na New School de Manhattan, mas seu apartamento em Greenwich Village também abrigava cópias de todos os livros do poeta, bem como muito material associado.
Por influência de Robert, comecei a descobrir a amplitude do gênio de Auden. Eu me lembro de abrir a coleção de ensaios The Dyer’s Hand (1962) em uma manhã de domingo durante um café da manhã no South Hall, com biscoitos quentes e feitos na hora. Muito mais tarde, depois da morte de Robert, herdei sua cópia de The Enchafèd Flood (1950), o emocionante estudo de Auden sobre a iconografia romântica do mar, bem como suas primeiras edições de poesia, rabiscadas e sem capas. Quase todas elas traziam fotos do autor coladas, e em Another Time (1940) – provavelmente a maior coleção de Auden – Robert deixou um cartão postal da pintura de Bruegel ‘Paisagem com a Queda de Ícaro’, que inspirou o famoso poema “Musée des Beaux-Arts”.
Embora os significados dos poemas de Auden às vezes possam ser fugidios, quase todos contêm versos e passagens de tirar o fôlego. Outras vezes, as palavras de Auden se aproximam do surreal, tendo o poeta se aproximado literariamente de T.S Elliot no poema The Destruction of Error: “No seio infeccionado e nos olhos de bicho” ou “Abre-se uma rachadura na xícara / Um caminho para a terra dos mortos”. Mestre do verso leve, ele também pode ser muito engraçado: “Deusa dos subalternos mandões, a Normalidade!”. Alguns poemas, como “Epitaph on a Tyrant”, continuam tristemente relevantes: “Quando ele ria, senadores respeitáveis explodiam em gargalhadas / E quando ele chorava as criancinhas morriam nas ruas”.
Em sua juventude, Auden planejava se tornar engenheiro de minas, e ele sempre é ótimo em retratar paisagens industriais, mas também consegue explorar terrenos acidentados através dos olhos de um agente secreto. Das obras mais extensas de Auden, a que mais gosto é The Sea and the Mirror (1944), construída em torno de poemas em vários estilos, falados pelos personagens de A Tempestade, de Shakespeare.
Na segunda metade da vida, a metade americana, Auden foi ficando cada vez mais “envergonhado” – a definição é sua – de várias de suas obras mais reverenciadas da década de 1930, chamando-as de lixo retórico “desonesto”. Entre as vítimas desse puritanismo estético se encontravam Spain 1937, Sir, no man's enemy, forgiving all e Sept. 1, 1939, cuja abertura deste sempre parece oportuna. Em Sept. 1, 1939, Mendelson observa que o poema de fato foi iniciado em 2 de setembro em Nova Jersey – na casa do pai dentista do parceiro de Auden, Chester Kallman – e terminado em 7 de setembro. Então, em certo sentido, é desonesto. De acordo com outra anotação reveladora, Auden realmente planejava cortar seu poema mais terno, Lay your sleeping head, my love, mas Kallman insistiu em mantê-lo. Grandes artistas nem sempre são os melhores juízes de seus trabalhos.
Nos anos 1950 e 1960, Auden esperava ser considerado um 'Goethe atlântico menor'
Nos anos 1950 e 1960, Auden esperava ser considerado “um Goethe atlântico menor”, mesmo enquanto sua poesia ficava mais solta e palavrosa, sua dicção mais recôndita. Um poema de About the House (1965) termina com o verso “o verdadeiro silêncio olâmico” (olâmico se refere a um vasto período de tempo, uma era). Em The Cave of Making – também de About the House – Auden descreve amorosamente seus dicionários como “o melhor que o dinheiro pode comprar” e enfatiza que as janelas de seu estúdio na Áustria admitem “uma luz com a qual se poderia consertar um relógio”. Aqui, ele conclui, “o silêncio se transforma em objetos”. Será preciso acrescentar que esses objetos, onde quer que tenham sido feitos, estão entre os melhores e mais agradáveis poemas do século XX?
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Michael Dirda resenha livros para o Washington Post toda semana.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
The Complete Works of W.H. Auden: Poems, Volume I: 1927-1939
Editado por Edward Mendelson
Princeton University Press - 848 páginas - US $60
The Complete Works of W.H. Auden: Poems, Volume II: 1940-1973
Editado por Edward Mendelson
Princeton University Press - 1120 páginas - US $60
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