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Bar Brahma, Leo e Riviera: quem é o grupo que está revivendo botecos históricos de SP

A Fábrica de Bares assume pontos clássicos de São Paulo, gerindo e modernizando com apoio de frequentadores

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Foto do author Gilberto Amendola

Uma cidade sem bar é uma cidade sem alma. Uma parte relevante da história de São Paulo passa pelos balcões e mesas de ícones como o Bar Brahma, o Bar Léo e o Riviera. Hoje, os destinos dessas três casas estão entrelaçados por uma única empresa, a Fábrica de Bares – que, além da tríade boêmia, ainda está por trás de outros marcos paulistanos, como o Jacaré Grill, Bar dos Arcos, Blue Note e outros. 

Cairê Aoas, um dos sócios da Fábrica de Bares Foto: Felipe Rau/Estadão

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A reportagem encontrou Cairê Aoas, 37 anos, proprietário da Fábrica, em um Riviera ainda de pernas para o ar e sendo preparado para uma reabertura que deve acontecer em setembro (mas disso falamos depois). Em uma mesa do bar, Aoas lembrou a trajetória que viria a transformar a Fábrica de Bares em um hub de desenvolvimento, gestão e operação de estabelecimentos como bares, restaurantes e casas de shows. Hoje, a Fábrica está ligada a nove estabelecimentos só em São Paulo.  “Eu entrei nesse ramo em função da família. Meu pai, Álvaro Aoas, começou com isso muito cedo. Aos 18 anos, ele abriu o seu primeiro empreendimento no setor: uma pastelaria. Depois, migrou para um café; mais adiante para um bar de jazz na Santa Cecília, o Café São Paulo Antigo (sucesso nos anos 1990), e foi abrindo outros”, contou. Aoas contou que o seu primeiro contato com o negócio foi aos 14 anos. Na época, o pai estava organizando uma festa de réveillon em um restaurante. “O problema é que, na véspera, a equipe da cozinha deixou ele na mão”, disse. Segundo Aoas, a solução encontrada pelo pai foi a de “colocar a família para dentro”. “Tenho a lembrança de passar a noite de réveillon descascando batatas”, relembrou.  Já com a ideia de trabalhar no setor, Aoas cursou Administração e Hotelaria. Logo, assumiu a gerência de bares e restaurantes do pai. “Ainda era um mercado muito informal, com uma taxa de mortalidade muito grande (bares que abrem e fecham com pouco tempo de vida). Daí nasceu essa vontade de ter uma empresa gestora que prestasse um serviço de administração neste mercado”, contou. Ponto histórico. O primeiro passo também foi dado pelo pai, que em 2001 reabriu um dos bares históricos da cidade. Não qualquer bar, mas o Bar Brahma. A casa, que nasceu em 1948 pelas mãos de um imigrante alemão (Henrique Hillebrecht), é uma página importante na história da cidade. Nos anos 1950, o Brahma foi ponto de encontro de políticos como Jânio Quadros e Adhemar de Barros. Na década seguinte, seguiu em alta com a presença dos estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e toda a efervescência política. O bar, claro, ficou mais conhecido por ter o endereço cantado em Sampa, nos versos de Caetano Veloso (“Alguma coisa acontece no meu coração/Que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João...”).  Lá, a família Aoas conseguiu uma licença da Ambev para o uso da marca (que, mais tarde, também se transformaria em um dos modelos de negócio da Fábrica). Hoje, existem planos de expansão do Brahma para outras capitais e, principalmente, um projeto de um hotel que leve o nome de Bar Brahma – que deve sair do papel no ano que vem. O que veio a seguir, na verdade muito tempo depois, entre 2012/2013, foi o arrendamento de um verdadeiro monumento da noite de São Paulo: o Bar Léo. Desde os anos 1940, a casa está na Rua Aurora, pedaço da cidade que já foi conhecido com o nome pejorativo de Boca do Lixo. Com o falecimento do dono, o Bar Léo ia vivendo muito mal das pernas até que desandou de vez – chegando a virar matéria de jornal por vender um chope de baixa qualidade como se fosse um autêntico Brahma. Com a denúncia dos próprios clientes, a casa chegou a ser fechada pela Vigilância Sanitária.

Ainda sem ser da Fábrica de Bares, o administrador Cairê Aoas foi procurado para assumir o Bar Léo, fechado pela Vigilância Sanitária. Então, o Léo foi arrendado e sua reconstrução passou por reuniões com os próprios clientes. “A gente reuniu os frequentadores mais tradicionais para saber o que podia ou não mexer no lugar. Reabrimos juntos com os clientes para manter a essência do lugar”, disse. Um dos pontos principais, na ocasião, foi a manutenção daquele que já foi garçom mais celebrado da cidade, o Luiz de Oliveira (que trabalhou por 55 anos no Léo – e morreu em 2017, aos 95 anos). O Léo foi ampliado e depois ganhou um bar irmão, na Vila Madalena.  Em 2014, já com o Bar Brahma e o Léo no portfólio, Aoas criou a Fábrica de Bares. “Não foi uma estratégia trabalhar com bares históricos da cidade. Foi algo que aconteceu. Essa é a verdade. Mas, depois do Léo, começamos a entender que essa era a nossa vocação. Trabalhar com essas marcas históricas que tivessem esse gap de administração”, afirmou.  “O mais fácil seria mudar tudo. Ah, fechou porque o balcão está no lugar errado... Ou querer repaginar tudo, descaracterizar. Aprendemos errado. Mas entendemos que o ideal é valorizar e enaltecer o passado – mas ao mesmo tempo transformar em algo que seja contemporâneo. A ideia é manter a conexão com a nostalgia e se conectar com um público novo. E principalmente responder à pergunta: esse bar é pra sempre?”, completou. Pré-pandemia. Em 2019, a Fábrica dos Bares uniu-se à operação de outros pontos históricos de São Paulo. Talvez o principal deles seja o Bar Riviera. Com um pouco mais de 70 anos de vida, o Riviera passou por um “abre e fecha” constante nos últimos anos. Localizado na esquina da Avenida Paulista com a Consolação, no térreo de um ícone modernista, o edifício Anchieta (projeto do escritório de arquitetura MMM Roberto), o Riviera (aberto em 1949) já foi a casa da elite paulistana, de jovens revolucionários e artistas embriagados. “Vamos reabrir o Riviera em setembro. Nossa ideia é se reconectar com a história desse bar”, disse. Entre as principais novidades da próxima reencarnação do Riviera está o funcionamento 24 horas e a criação de um terraço, uma espécie de mirante, com vista para a Paulista e a Consolação. Outro ponto histórico que, em 2019, passou a ser administrado pela Fábrica de Bares é o Jacaré Grill – o lugar responsável por transformar a Vila Madalena no que ela é hoje. Aos 30 anos de vida, o Jacaré começou com o ex-proprietário, Marcelo “Jacaré”, vendendo espetinhos na frente de um açougue da família. Atualmente, o Jacaré passa por reformas, mas deve reabrir em breve.  A Fábrica de bares também funciona como sócia de outros empreendedores. Veja o caso do Bar dos Arcos, que hoje é uma sociedade da Fábrica e Facundo Guerra (responsável pelo conceito criativo da casa). O Bar dos Arcos, que fica no subsolo do Teatro Municipal, já retomou as atividades. A novidade é que agora o grupo também administra o restaurante do teatro, localizado no salão dourado (ex-restaurante Santinho). O lugar, claro, pode servir como espera do Bar dos Arcos, mas também tem vida independente (com almoço e brunch). Outra parceria é com o empresário Luiz Calainho, que, junto com Facundo Guerra, abriu uma filial do Blue Note em São Paulo, mais especificamente em cima do Conjunto Nacional, na Paulista. A casa vai reabrir em outubro com um show de Hamilton de Holanda tocando Tom Jobim.  A busca por lugares históricos da cidade não acabou. A Fábrica está próxima de assumir outros dois pontos importantes da boemia paulistana (atualmente fechados). Os novos projetos ainda estão mantidos em segredo porque os negócios não estão completamente fechados.  A pandemia. Assim como todo o setor, a Fábrica de Bares também foi impactada pela pandemia. “Estávamos começando as operações quando chegou a pandemia da covid- 19”, disse Aoas.  No ano passado, a versão carioca do Bar Léo foi fechada e funcionários de quase todos os outros estabelecimentos tiveram o contrato encerrado. “Um momento de incerteza total. Foi um baque, mas agimos rápido”, disse.  No início, o Bar Brahma chegou a abrir apenas para a distribuição de aproximadamente 5 mil quentinhas para a população em situação de rua. Depois, a Fábrica tentou mapear os movimentos do governo. “Foi confuso, bagunçado, não tinha um plano estruturado de incentivos, de empréstimos...”, falou Aoas.  Por fim, a pergunta de um milhão de dólares: “Quanto tempo vai durar isso?”. A imprevisibilidade era o veneno para o modelo de negócio da Fábrica. “A gente agiu rápido. Com a Ernst & Young, fizemos um plano estratégico para a retomada que estamos iniciando agora”, disse.  E foi na pandemia que a Fábrica ganhou novos braços, como a chegada no Aeroporto de Brasília (com o café Riviera e um bar da Colorado) e casas como o Bar Brahma e o Bar Brasília. No ano que vem, deve entrar no ramo de hotelaria, com a chegada de um hotel Bar Brahma e outros. Também está em funcionamento a FabLab, um centro de inovação e fomento ao empreendedorismo no setor, que funciona como aceleradora de startups – com foco em desenvolvimento de ferramentas tecnológicas para melhorar a gestão de bares e a experiência dos clientes. De lá, já saíram os aplicativos Eshows (plataforma que gerencia a contratação de artistas para eventos) e o E-Staff (ajuda a encontrar profissionais freelancers).

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