Ensaios de Alexandre Eulalio são reunidos em 'Os Brilhos Todos'

Crítico morto em 1988 fala de George Stevens a Beatles em 41 artigos que demonstram erudição

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho
O escritor e ensaísta Alexandre Eulalio, de quem a editora Companhia das Letras estálançando o livro 'Os Brilhos Todos' Foto: Companhia das Letras

O ensaísta Alexandre Eulalio (1932-1988) tinha 20 anos quando escreveu sobre o clássico filme de George Stevens, Um Lugar ao Sol, baseado no livro de Theodore Dreiser (Uma Tragédia Americana, 1925), obra-prima do naturalismo. Impressiona o fato de Eulalio, tão jovem, perceber que essa obra seminal da literatura social norte-americana só poderia ser restaurada por alguém como Stevens, capaz de entender que o desespero do protagonista do filme, George Eastman, era da mesma natureza da desesperança de Dreiser (1871-1945), um socialista angustiado com a falta de diálogo interclassista nos EUA.

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O ensaio, escrito em 1952, abre o livro Os Brilhos Todos, reunião de textos (crônicas, entrevistas, críticas, resenhas) de Alexandre Eulalio organizada pelo cineasta, crítico e ensaísta arlos Augusto Calil, que montou anteriormente outra coletânea do autor, Tempo Reencontrado (Editora 34/IMS, 2012). Rigoroso com sua produção, Eulalio só publicou um livro em vida, A Aventura Brasileira de Blaise Cendrars’ (1978), que teve justamente uma segunda edição revista e ampliada por Calil em 2001 (publicada pela Imprensa Oficial/Edusp).

Eulalio era, na análise do ensaísta e diplomata José Guilherme Merquior (1941-1991), um “demônio do perfeccionismo”. Nele, segundo o professor Antonio Candido, “o crítico de arte e de literatura se associava intimamente a um historiador do Brasil”. Multidisciplinar, erudito, era um interlocutor capaz de, numa rápida conversa, passar da literatura de Borges para a música de Stravinski e dessa para a pintura de Guignard, não esquecendo o teatro de Nelson Rodrigues.

O livro de Eulalio traz, aliás, ensaios sobre esses citados autores – e outros hoje menos comentados, como o dramaturgo belga Fernand Crommelynck (1886-1970), mais especificamente sobre sua peça Le Cocu Magnifique, farsa publicada em 1921 e filmada em 1964 pelo italiano Antonio Pietrangeli (1919-1968).

Pietrangeli nem planejara filmar O Magnífico Traído (Il Magnifico Cornuto) quando Eulalio escreveu o ensaio sobre Crommelynck dez anos antes. Pena que o cineasta não tenha lido o brasileiro. Teria percebido que a “crueza dos diálogos” – característica do dramaturgo belga, além de sua inclinação por tipos populares – era compensada por muitos “pontos de contato com a farsa lírica, especialmente com uma peça de García Lorca, Amor de Dom Perlimplim com Belissa em seu Jardim (1928). Lorca, defende Eulalio, constrói sua alegoria poética como uma farsa para ser encenada com a delicadeza de um teatro de fantoches, a despeito do tema – um velho aristocrata traído em plena lua de mel por sua bela e jovem esposa. Já Crommelynck provoca um choque cênico transformando a farsa num pesadelo. Pietrangeli sucumbe à dinâmica da comédia italiana típica dos anos 1960 e parece interessado apenas em explorar o corpo de Claudia Cardinale.

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Dividido em três partes e organizado segundo a ordem cronológica de publicação dos textos, Os Brilhos Todos tem nos ensaios sobre o escritor argentino Jorge Luis Borges e seu parceiro Bioy Casares o melhor da produção ensaística de Eulalio. Especialmente sobre o último, um curioso ensaio de 1963 relaciona A Invenção de Morel (publicado em 1954) ao renovador filme de Resnais, O Ano Passado em Marienbad (1961), um dos marcos da nouvelle vague francesa.

Tal relação, “que, aliás, não escapou à crítica francesa”, como observa Eulalio, fica clara quando se pensa na desintegração do tempo tanto na história do escritor argentino – a de um perseguido político refugiado numa ilha do Pacífico que descobre curiosos veranistas num hotel abandonado (criados pelo cientista maluco Morel) – como no argumento do filme de Resnais – um homem que tenta convencer uma mulher no hotel em que se hospedam que se conheceram no ano anterior, fato por ela negado.

A relação entre o nouveau roman de Alain Robbe-Grillet (roteirista de Marienbad) e a parábola metafísica de Bioy Casares é apenas um exemplo da vertiginosa cadeia de relações de Eulalio, capaz de contar a história da evolução da pintura no Brasil desde o Império (Frans Post e companhia) até o modernismo (Di Cavalcanti, Segall) num único texto (de 1981).

Um curioso artigo sobre os Beatles publicado em 1965, ano em que o grupo inglês filmava Help nas Bahamas, aproxima Eulalio de Pasolini, que dividia com ele a desconfiança de que a histeria coletiva provocada pelo discurso dos cabeludos era, no fundo, a revolta de pequenos burgueses orquestrada pelo próprio sistema. Eulalio vai mais longe: via nos Beatles discípulos heterodoxos do patafísico Alfred Jarry. Da mesma revolta adolescente, observa ele, “é que saem os Beatles armados com capacete de rugby e pluma de plástico, franja de débeis e botas de borra-botas” para decapitar o Jaguadarte, o monstro de Alice.

Além de ensaísta, Eulalio tinha uma curiosidade jornalística que o fez se aproximar de Graciliano Ramos por meio de uma conversa sobre Silone (que o autor de Angústia considerava “reacionário”) e de Clarice Lispector, a quem visita no Leme, em 1961. Poucos conseguem traçar o perfil de uma personalidade recorrendo à descrição do ambiente onde vivem. Eulalio é um deles. Consegue, além disso, mostrar como Clarice, alarmada com sua fama, reflete sobre a sensação curiosa de “estar na moda” num país em que todos são consumidos indistintamente com a insaciável fome de um canibal.

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Capa do livro 'Os Brilhos Todos', de Alexandre Eulalio, da Companhia das Letras Foto: Companhia das Letras

Os Brilhos Todos Autor: Alexandre EulalioOrganização: Carlos Augusto CalilEditora: Companhia das Letras 288 páginas R$ 54,90

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