Entenda como as redes sociais influenciam no design das capas dos livros

Artistas têm papel principal na hora da divulgação de novos títulos e na repaginação de clássicos

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Foto do author Matheus Lopes Quirino
Atualização:

Não julgar o livro pela capa é um dito popular que perdeu o sentido em tempos de redes sociais. Hoje, é pelo Instagram que leitores sabem as novidades do mercado editorial em primeira mão, pois as editoras lançam campanhas atraentes em seus canais na plataforma.

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Nesse processo, há um trabalho de comunicação visual feito com esmero. Algo que envolve um diálogo com as novas gerações, como a valorização da imagem e signos que estimulem o leitor, como as capas chamativas.

Um exemplo recente é o da Antofágica, editora especializada em reedições de clássicos, com uma edição arrojada de Moby Dick, do norte americano Herman Melville (1819-1891), sobre a história da temível baleia que assombra os mares.

Ilustração de Letícia Lopes para o livro 'Moby Dick', de Mellville, um clássico reeditado Foto: Antofágica

Um livro robusto, com capa dura e 60 pinturas a óleo encomendadas à artista gaúcha Letícia Lopes, o projeto editorial usa uma tipologia que emula uma fonte pincelada; as gravuras que recheiam a edição mostram a figura das feras, característica do imaginário pictórico da artista convidada.

“No Brasil, o livro é visto como um investimento”, conta Daniel Lameira, um dos fundadores da Antofágica, que abriu as portas em 2018 com a proposta de oferecer aos leitores títulos consagrados da literatura mundial. Somente na pré-venda, o romance de Melville vendeu mais de 2 mil exemplares.

Lameira, de 35 anos, cresceu na cultura digital dos anos 1990 e procura dialogar com outras mídias, assim como o designer Bruno Miguell, que comanda o departamento de arte do clube de literatura por assinatura TAG. O trabalho dele e de sua equipe rendeu um Prêmio Jabuti na categoria de Projeto gráfico e capa em 2021, pela edição de Sul da Fronteira, Oeste do Sol, do escritor japonês Haruki Murakami, realizado por Sabrina Gevaerd.

Ilustração de 'O Cortiço' por Kika Carvalho, clássico brasileiro ganhou tons de azul  Foto: Antofágica

“O objeto livro é insubstituível, trabalhar com a parte física é algo único, porque o começo da história é ali”, conta Miguell. A TAG aposta em edições especiais a partir de lançamentos e obras em circulação no mercado editorial. Maior clube literário do País com 55 mil assinantes, segundo dados da própria plataforma, a TAG foi criada há 8 anos no Rio Grande do Sul e, muitas vezes, antecipa lançamentos e traz reedições exclusivas.

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Como Afirma Pereira, do italiano Antonio Tabucchi (1943-2012), um dos títulos mais repercutidos do clube. No projeto da TAG, a questão tátil marcou presença com uma capa dura que simulou azulejos portugueses, elemento trazido do enredo, que conta a história de um jornalista veterano em uma Lisboa sob o regime de Salazar.

Tal qual as editoras de nichos, como a DarkSide, que mira títulos noir e de terror, e a Veneta e Cobogó, que publicam quadrinhos e artes plásticas, respectivamente, a ideia de excelência no projeto editorial, nos últimos anos, mostra a fidelidade a um leitor exigente. Outras editoras, como a Carambaia e Ubu, miraram o público órfão da Cosac & Naify – com edições de luxo, esmeradas e algumas vezes numeradas.

Plinio Martins Filho é diretor da EDUSP, ele também coordena projetos gráfico da Ateliê Editorial  Foto: Clayton de Souza/Estadão

“O grande lance do design é também a exclusividade da edição, as pessoas compram um livro por ser caro”, diz Plinio Martins Filho, à frente da editora Edusp, da Universidade de São Paulo. Para ele, o prazer da leitura está diretamente ligado à edição. Estilo da fonte para não dar sono, qualidade do papel e espaçamento são alguns dos elementos que o professor pondera como principais na hora de fidelizar um leitor.

“Quando vamos começar um projeto, colocamos o texto em primeiro lugar. O design fica submetido ao texto, não o contrário, isso é o que chamamos de design editorial”, ressalta Martins Filho, que coordenou uma edição histórica de A Divina Comédia, livro que se tornou item de colecionador e um dos mais desafiadores de sua carreira. “A intenção ali foi seguir o caminho de Dante às profundezas, por isso o leitor tinha que virar o livro, ler de uma forma não convencional. As gravuras também têm primordial papel nessa jornada do leitor”.

Martins Filho é um crítico de edições muito “barulhentas”, tanto que as capas da Edusp e da Ateliê Editorial, editoras que participa ativamente, são, por via de regra, bastante sóbrias, em parte pela inspiração no design francês, de editoras clássicas como a Gallimard.

O livro Nove Meses, de Gustavo Piqueira, é um de seus projetos ousados Foto: Lote 42

Na outra ponta, estão as experimentações. Caso do designer Gustavo Piqueira, à frente da Casa Rex. Piqueira ficou conhecido pela ousadia nos projetos gráficos de seus livros, com capas artesanais, algumas edições confeccionadas manualmente, como no livro A Pedra, em que cada capa é ilustrada a partir do impacto da rocha com a tinta, formando assim rabiscos e relevos.

A questão discutida entre editores e designers é a linguagem visual. Algo que vai além do marketing e entra no campo da estética. A beleza também depende do olhar do editor. Segundo o diretor de arte da Companhia das Letras, Alceu Nunes, a ousadia dos recursos gráficos reflete a busca por objetos de desejo. “Cada selo do grupo vai ter uma linguagem muito específica. Por isso, contamos com cerca de 60 colaboradores”, explica. Para cada projeto gráfico, Nunes afirma buscar um profissional que tenha o perfil aliado ao livro. “É uma questão de escolhas, de repertório, já sei o que cada um é capaz de fazer para passar a mensagem de determinado livro.”.

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Capa do livro Ulysses, de James Joyce, com tradução de Caetano W. Galindo e ilustrações de Motherwell Foto: Companhia das Letras

Há várias edições dos livros de George Orwell na Companhia das Letras. Com variações entre os mesmos títulos, como as de luxo de A Fazenda dos Animais e 1984. “Com ensaios visuais de Vânia Mignone e Regina Silveira, esses livros entraram no catálogo para contemplar não só o leitor que está atrás do texto com uma boa tradução e edição, mas que procura uma linguagem visual que dialogue com o texto e seja moderna”, afirma Nunes. Como na recente edição de Ulisses, de James Joyce, ilustrada com gravuras do pintor norte-americano Robert Motherwell (1915-1991).

“Hoje a quantidade de tipografia é muito maior do que há 20 anos, por isso o designer tem que surpreender não só com recursos gráficos que sejam ousados, não é só o corte lateral pintado, usado há 200 anos, isso não é mais essencial como era antes”, ressalta.

“A gente tem buscado legitimar muito mais os temas. Por exemplo, em uma série de livros de escritores negros, a gente chama um designer negro, com obras de artistas negros”. Um dos casos é o livro Lima Barreto, Triste Visionário, com ilustração do pintor Dalton Paula, o ex-bombeiro que foi descoberto há uma década e hoje é um dos artistas em ascensão no Brasil.

Cosac & Naify, a referência para todas as editoras do Brasil culto

Hoje, quando entra em uma livraria, Charles Cosac é categórico, “Um livro se apresenta de forma imediata pela sua capa”. Fundada em 1996, a editora Cosac & Naify foi um marco no mercado editorial brasileiro. Baixando as portas em 2014, sem nunca, oficialmente, deixar todas as atividades, a editora de Charles foi responsável pela revolução do mercado editorial.

O fundador da editora Cosac Naif, Charles Cosac , em seu apartamento em Brasilia, com o livro de Tunga  Foto: Gabriela Biló/Estadão

Em entrevista exclusiva ao Estadão, Charles relembrou os anos de ouro da editora.”Foi uma das melhores experiências da minha vida, sempre fui completamente apaixonado por livros, voltava de viagens com vários títulos sobre artes visuais, arquitetura, design”, conta o editor, que publicou no Brasil títulos que só circulavam no mercado internacional. Bibliófilo confesso, ele edita hoje cerca de três livros por ano, que saem pelo selo da Cosac Naify. O último deles foi sobre os 70 anos do artista visual Jair Glass, que pertenceu ao grupo Guaianazes. Uma edição luxuosa, como manda a grife da editora. Seus livros, hoje esgotados, tornaram-se objetos de desejo vendidos a milhares de reais na internet.

”O ponto certo é quando o design é arrojado, contemporâneo e não usa outros recursos externos, como muitas cores”, conta o editor que publicou a obra completa do antropólogo Claude Lévi-Strauss e trouxe clássicos da literatura mundial em projetos marcantes, como os romances David Copperfield, de Charles Dickens e Oblomov, de Ivan Gontcharóv – disputadas hoje em sebos e alfarrabistas. “A Cosac & Naify foi uma editora experimental, eu nunca podei ninguém, havia uma liberdade imensa ali, trouxe gente competente, muitos jovens; afinal, eu ainda acredito, os jovens sempre estão com a razão”.

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