por Rodolpho Bernabel
É muito difícil analisarmos os efeitos da reeleição para os cargos do Poder Executivo com base em dados. A democracia brasileira é um fenômeno recente e a instituição da reeleição é mais recente ainda. Assim, não creio que tenhamos ainda uma amostra suficiente para fazermos inferências estatísticas sobre os efeitos da reeleição. Talvez já haja dados suficientes para uma avaliação no caso das prefeituras, mas não tenho conhecimento de estudos profundos, com desenhos de pesquisa robustos, sobre o assunto. Portanto, nossa análise deve ser eminentemente teórica. Devemos explicitar nossos pressupostos e lógica de análise.
Eu parto do pressuposto que a grande maioria dos detentores de cargos políticos usam seus cargos em benefício próprio. Não quero dizer que essa maioria é corrupta, mas que simplesmente usam os meios que a política lhes fornece para avançar seus interesses, ainda que dentro da lei. Por exemplo, um presidente pode cortar gastos com investimentos em infraestrutura e elevar os gastos com políticas assistencialistas de maneira legal, almejado ser reeleito. O resultado de médio e longo dessa alocação de investimentos pode ser desastroso, ainda que legal. E o presidente terá alcançado seu objetivo de ser reeleito. Mas há, é claro, movimentações financeiras que são, além de ineficientes, obviamente ilegais.
Voltando aos pressupostos, apenas digo que o político vai tentar usar as instituições a seu favor, sejam elas quais forem. O grande argumento a favor da reeleição é que ela proveria um incentivo para que o governante fizesse um bom mandato. Assim, se o político fizer um bom governo, será reeleito e desfrutará das benesses do cargo por mais um mandato. A primeira pergunta a se fazer, portanto, é: por que então não temos reeleição ilimitada? Porque apenas dois mandatos? Não seria salutar que o bom governante pudesse ser sempre reeleito? O argumento para a limitação é que se quer prevenir o encastelamento no cargo. Mas, pela lógica do primeiro argumento, só seriam reeleitos os bons governantes. E qual seria o problema de se ter um bom governante reeleito indefinidamente? Eu não sei.
Parece-me que os legisladores chegaram, na verdade, a um acordo para a repartição do butim. Teriam ficado com medo de que um bom governante se mantivesse no poder e lhes tirasse a chance de aproveitar da boquinha. Entretanto, com a limitação da reeleição e seguindo o raciocínio de seus defensores, temos então que o governante não tem o mesmo incentivo institucional para fazer um bom governo no seu segundo mandato. Por essa lógica, teríamos a alternância entre um governo bom e um ruim do mesmo candidato, seguidos por outro governo bom e outro governo ruim de um outro candidato, e assim por diante. Não acho que seja esse o caso. O político vai querer concorrer a outro cargo, ou eventualmente ao mesmo cargo dentro de alguns anos, e vai precisar do apoio do partido para isso. Assim, não vai querer arruinar as possibilidades de o partido fazer seu sucessor.
Mas qual seria então a consequência de não termos reeleição? Será que qualquer que fosse o governante ele faria um mal governo, dado que não teria o incentivo institucional da reeleição? Teríamos então uma sequência continua de maus governos em vez de uma alternância entre um bom e um ruim? Também não acho que seria o caso. É possível que sem a reeleição os partidos sejam mais fortes, pois escolherão como candidato alguém em que confiem que vá trabalhar em prol do partido, se eleito. Assim, o partido poderia eleger seu sucessor. O candidato seria então alguém mais comprometido com o partido. Isso, a princípio, não é bom nem ruim; se o partido tiver propostas boas, será bom, se ruins, ruim. Ademais, o partido pode estabelecer uma coalizão interna, e fazer com que um político popular seja sempre quem mande, estando ele no cargo ou não.
A ausência jurídica da reeleição, portanto, não significa ausência real de reeleição. Se o governante for popular, ele pode ser presidente por um mandato e chefe de gabinete (mandante de fato) de uma eminência parda (mandante de direito) nos quatro anos seguintes, voltando então a concorrer à presidência. Novamente, isso não quer dizer que esse tipo de coalizão seja bom ou ruim. Depende da qualidade do político em questão.
A conclusão, portanto, é que as lógicas institucionais presentes na reeleição ocorrem também na sua ausência. Tanto estratégias complexas não imediatistas quanto infinitas possibilidades de coalizão fazem com que os resultados finais dos dois desenhos institucionais se aproximem. Dependendo dos parâmetros da análise, pode-se concluir que os resultados agregados ao longo do tempo seriam os mesmos.
A ciência política é uma ciência que trabalha com probabilidades, não é uma ciência determinista, assim, nossas afirmações estão sempre no reino da possibilidade, não da certeza, e o trabalho do cientista político enquanto analista de conjuntura política é usar a sua formação para compreender quais possibilidades são mais prováveis e quais possibilidades são menos prováveis. Devemos sempre trabalhar com cenários de probabilidade, e nunca afirmar que algum cenário é certo, fadado a acontecer, ou que outro cenário é impossível, que jamais acontecerá. No caso da reeleição no Brasil, vemos que as possibilidades teóricas são vastas; e ainda não temos dados suficientes para inferir quais cenários são mais ou menos prováveis de acontecer. A complexidade dos fenômenos políticos deriva do fato de seus seres constitutivos serem indivíduos interagentes em ambientes estratégicos. A física trabalha com átomos. A ciência política trabalha com átomos que pensam, têm vontade própria e agem. Pode-se argumentar, portanto, que a ciência política é igual física atômica, só que mais difícil.
Por fim, vemos que há um movimento para que se acabe com a reeleição no Brasil para cargos do Executivo. Eu preferiria que deixássemos a coisa como está, por um bom tempo, para podermos ter uma boa amostra dos efeitos da reeleição. Depois podemos pensar em mudar. Antes disso, acho que voltar a debater o fim da reeleição seria uma grande perda de tempo, e o Brasil já perdeu, e continua a perder, muito tempo.
Rodolpho Bernabel é doutorando em Ciência Política pela New York University (NYU)
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