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Poesia em Casa -- As coordenadas do mapa

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Por Estado da Arte

Por Pedro Gonzaga

Isto

Dizem que finjo ou minto

Tudo o que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

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Com a imaginação.

Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo, 

O que me falha ou finda, 

É como que um terraço

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Sobre outra coisa ainda. 

Essa coisa que é linda.

Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

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Sério do que não é.

Sentir! Sinta quem lê!

Poema exemplar de Fernando Pessoa quando ele mesmo, Isto pode ser facilmente tomado como um exemplo da Estética do fingimento, da dissociação entre eu-lírico e o eu-empírico, do papel dado ao leitor como parte fundamental da encenação poética, tal ocorre em Autopsicografia. Permitam-me que a coluna de hoje contorne esses temas. Interessa-me, para o momento, o que vai na segunda estrofe.

Tudo o que sonho ou passo, 

O que me falha ou finda, 

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É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda. 

Essa coisa que é linda.

Um dos grande estudioso de estilística, Amado Alonso, dizia em Materia y forma en poesía, que "A realidade é particularmente estruturada pelo sentimento que se quer expressar liricamente, e o sentimento, por sua vez, só adquire criativamente consistência e estrutura na figura de realidade que é sua objetificação." Vencer a invisibilidade do ser e estar no mundo, eis o desafio do poeta. Dar matéria aos sentimentos e ao tempo, tornar sensível o que existe apenas como experiência subjetiva por meio de um instrumento (o poema) que o converta em experiência subjetiva do outro. Ou como preferiria Alonso, ao estabelecer uma relação de objetos de acordo com a tentativa de expressar seus sentimentos, o poeta termina por oferecer um guia ao leitor, pela própria sequência de suas eleições, para o movimento anímico antes realizado. Em outras palavras, a escolha e a ordem do que se faz visível em um poema dão ao leitor as pistas para acompanhar os movimentos interiores do poeta. Como na estrofe acima, temos acesso ao terraço, as coisas do terraço, porque só ao experimentarmos o terraço é que podemos supor uma planta inferior, onde habitam as coisas mais lindas.

Assim, A grande poesia lírica quase sempre é um mapa oriundo das razões e dos sentimentos do viajante primeiro, mas, como em todo mapa, para ser percorrido por quem o usa, por quem lê o poema. Como num mapa, as ocorrências apontam em abstrato para o que só a experiência é capaz de percorrer. Como num mapa, o poema pode reproduzir relevos e rotas, o azul de onde há rios, mas não o azul das águas reais ou convertidas em vividas imagens interiores. 

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Em poucos momentos de interação entre duas consciências por meio de um instrumento artificial (o poema) há tamanha necessidade de uma interdependência comunicativa. É a grande verdade apontada por Pessoa na terceira estrofe de Isto, que descartei no começo, mas que agora podemos retomar.

Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

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Sentir! Sinta quem lê!

É deste modo que a lírica revela sua ligação e seu compromisso com a recriação cartográfica da experiência de ser e estar no mundo. Ser em essência transportada, estar em relação indicada, o exterior em latitudes e longitudes, a natureza feito mancha verde, o mundo e os outros eventos do mundo postos em escala.

Pedro Gonzaga é poeta, tradutor, músico e professor. Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é autor de A Última Temporada e Falso Começo (Editora Ar do Tempo). Acaba de lançar O Livro das Coisas Verdadeiras (Arquipélago Editorial), sua estreia na crônica.

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