Logo que o público chegar à exposição Ney Matogrosso, em cartaz no MIS - SP a partir desta sexta-feira, 21, vai passar por uma grande foto do cantor, tirada no show Matogrosso, de 1989. Ney, maquiagem no rosto, figurino ancestral, suor escorrendo pelo corpo, parece dizer, pegando emprestado os versos do poeta Antonio Cícero: eu abro os braços e faço um país.
A mostra, inaugurada no ano em que Ney celebra 50 anos de carreira solo – antes, no início dos anos 1970, trabalhou como ator e, em dezembro de 1972, fez sua estreia no Secos & Molhados –, mostra, por meio de fotos e imagens, esse artista que ora está de calça jeans e camisa xadrez cantando uma música caipira em um programa de TV, ora está quase nu, sem vergonha, na beira do palco, sendo acariciado pelo público em êxtase.

Quem é Ney, então? Ney é possibilidades. É o País. Ou, “fragmentos”, como prefere dizer o jornalista Julio Maria, autor do livro Ney Matogrosso – A Biografia, (Companhia das Letras, 2021), que escreveu seis textos que compõem a mostra do MIS, pontuando cada década de atividade artística do cantor - as diferentes alas da mostra também seguem esse critério.
Ney nasceu em Bela Vista, Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai. “A fronteira é onde tudo se mistura, e não o que separa”, diz Maria. “Ney está sempre passando e as pessoas caindo ao lado dele: a ditadura, a aids, as gravadoras, a pandemia. Feito um imortal”, completa.
Leia também
O cantor, hoje com 83 anos, parece ser isso mesmo. Um ser que abre, não as águas, mas a floresta, naturalmente envolta por som, texturas e mistérios. Tudo fartamente provado por meio de 40 figurinos originais, 150 adereços, centenas fotos que estão agora no MIS. E, claro, a voz de Ney.
André Sturm, diretor-geral do MIS e curador da mostra, conta que muitas das fotos jaziam nos arquivos de fotógrafos como Ary Brandi, Thereza Eugênia e Daryan Dorneles. Três delas formam um pôster ampliado no verso do folheto da mostra.
“Muitas delas nunca tinham sido ampliadas. Vamos até incorporar algumas ao acervo do MIS”, diz.

Por uma cenografia em que tecidos de voil convidam o visitante a desnudar o já tão exposto Ney, é possível ver, por exemplo, o artista contrariado ao lado dos ex-colegas de Secos & Molhados, João Ricardo e Gerson Conrad, no palco do programa do Chacrinha - ele não esconde as emoções. Também nada parece requentado na exposição. Há frescor.
Figurinos aproximam fãs do ídolo
Figurinos talvez sejam o que mais aproximam o fã de seu ídolo nesse tipo de mostra. Por eles, é possível ver o tamanho da cinturinha do Ney, por exemplo. Ou então, sua consciência social e o compromisso com a verdade, como quando foi buscar na Funai o cocar para usar na turnê Matogrosso, de 1982. Os 40 figurinos estão preservados no Senac, por iniciativa do próprio Ney. Além de espalhados pela mostra, estão alocados no chamado espaço redondo do primeiro andar do MIS. A iluminação da sala, mais escura, não favorece a visão, mas, nem por isso, o encanto é menor.

Para André Sturm, a exposição ressalta dois aspectos importantes de Ney. O primeiro é como ele se comunica com o público. “Ele é artista que leva uma tensão sexual para o show, é andrógino, não canta um tipo específico de música. Ele não é MPB. E, mesmo assim, fala com todos, é idolatrado.”
A segunda observação é como, segundo o curador, Ney se coloca perante à sociedade. “Ney sempre deu um recado aos outros artistas de que não é preciso agredir o público, levantar bandeiras. Dizer se é A ou B, se toma Coca-Cola ou Guaraná”, diz Sturm.
Ney fez apenas duas sugestões: quando soube da vontade de Sturm em colocar um clipe do rock Pro Dia Nascer Feliz, de Frejat e Cazuza, escolheu um específico, da TV Globo. Outro desejo: que o público fosse recebido pela canção Iolanda, versão de Chico Buarque para a original do cubano Pablo Milanés.

A última ala da exposição traz um spoiler do filme Homem com H, de Esmir Filho, uma cinebiografia de Ney, prevista para estrear em 1º maio. Além do trailer, há uma foto do ator Jesuíta Barbosa incrivelmente caracterizado com o figurino do Secos & Molhados.
Em outras molduras, fotos um pouco incômodas de Ney atento às filmagens. Uma delas, em uma cena que envolve um de seus namorados, Marco, personagem de Bruno Montaleone. Consultoria ou olhar de censura? Só o tempo dirá como a próxima produção envolvendo Ney derrubará os voiles de sua vida.
Exposição Ney Matogrosso
- A partir de 21/2.
- MIS - MIS. Av. Europa, 158, Jardim Europa
- 3ª a 6ª, 10h/ 19h; sábado, 10h/20h; domingos e feriados, 10h/18h.
- Quanto: R$ 30 (3ª, grátis).