Aos 88 anos, Jasper Johns não está desacelerando. Depois de passar mais de seis décadas cultivando uma extensa e influente produção, ele continua incansavelmente produtivo e inventivo.
Sua arte às vezes é descrita como sombria ou melancólica. A última exposição, Pinturas e trabalhos recentes sobre papel, na Matthew Marks Gallery, em Chelsea, retrata momentos de tristeza inconsolável e termina com uma galeria repleta de retratos de esqueletos, ainda que usando elegantes chapéus depalha.
No entanto, em sua pura variedade e vitalidade, esta exposição é otimista e generosa de espírito. Reafirma Johns como, acima de tudo, pintor de pinturas e um artista em seu trabalho, em vez de um tema histórico de arte. Nela ele revisita três ou quatro séries anteriores - estendendo, editando ou recombinando seus motivos - e introduz duas novas que mais do que satisfazem os padrões ‘Johnsianos’ de mistério, sugestão e fascínio pictórico.
Um grupo das obras recém-chegadas consiste apenas de três pequenas telas densas de 2017, pintadas em acrílico com motivos familiares, mas recém-arranjados, em maravilhosos esquemas de cores e com um acréscimo: um nu reclinado em 1938 por Picasso, na posição vertical e invertida. O outro recém-chegado baseia-se em uma fotografia tirada durante a Guerra do Vietnã, na qual, como é seu desejo, Johns segue para a abstração e vice-versa, desta vez no curso de duas pinturas acompanhadas por um grupo de 11 obras em tinta sobre papel ou plástico. Juntos em uma sala própria, os desenhos formam o centro tranquilo da exposição.
As duas últimas exposições individuais de novas pinturasde Johns em Nova York perfuraram diretamente o poço de um único - e novo - dispositivo ou motivo, produzindo conjuntos coerentes e sucintamente intitulados de pinturas, desenhos e gravuras. Suas grandes obras Catenary (Catenária, 1997-2003), reveladas na Matthew Marks Gallery em 2005, estão centradas em pinturas cinzentas como um quadro negro, cada uma com um frágil pedaço de corda branca pendendo de sua superfície. Anexada a ambos os lados da tela, a corda forma uma catenária, ou a curva essencial no design – de qualquer coisa, de estradas a corpos artificiais de água - como implícito em títulos como Ponte e Perto da Lagoa.
Em 2014, a série Regrets (Lamentos, 2012-14) teve sua estreia no Museu de Arte Moderna. O título vem de um carimbo de borracha - Regrets, juntamente com a assinatura de Johns - que ele inventou para recusar convites sociais.
Nesta série, a série Regrets torna-se sombria, psicológica e filosófica. Está entre os primeiros a serem inteiramente baseados em fotos, sendo derivados de uma fotografia danificada do pintor britânico Lucian Freud, sentado em uma cama em seu estúdio, curvado, cobrindo o rosto com a mão direita. Johns assumiu essa pose aparentemente angustiada e a amplificou, fraturou e distorceu, adicionando vários padrões e combinando a imagem com seu reverso. Este espelhamento dobrou o canto profundamente rasgado da fotografia em uma forma central que lembra uma lápide. Com muito pouco encorajamento, as manchas e rugas logo acima dele surgiram como uma caveira.
Em vez de se aprofundar diretamente para baixo, Recent Paintings & Works on Paper se espalha, como um sistema de raízes multidirecionais de forma livre. Várias das pinturas são estranhamente pequenas para Johns, o que dá à mostra uma maravilhosa intimidade que chama atenção para o seu diferente manuseio de tinta e como ele muda de série para série.
As melhores pinturas de Regrets podem na verdade estar no grupo de quatro telas de tamanho reduzido, pintadas em acrílico, feitas desde a exposição do Museu de Arte Moderna e influenciadas pelas gravuras da série. (Suas dimensões são as mesmas.) Em combinações de cinza ou branco, primárias ou secundárias, seus estilhaços e achatamentos quase-cubistas criam a abstração como uma espécie de entulho crescente, mas a mão e o braço que protegem o rosto de Freud são sempre detectáveis.
Em frente às adições de Regrets, as duas pinturas sem título que introduzem o que provavelmente se tornará conhecido coloquialmente como a série Farley Breaks Down (O colapso de Farley) estão isoladas, lado a lado, em uma parede. Uma é um pouco menor que a outra; ambas exibem uma abundância de verdes - uma cor um tanto escassa no repertório de Johns. Elas inicialmente parecem abstratas, com suaves tensões puxe-empurre de avião e pinceladas complicadas pelas impressões de malha de aço em três tamanhos (extra fino, fino e pequeno). Mas as frases estampadas nas bordas superior e inferior – O Colapso de Farley / Depois de Larry Burrows - indicam uma imagem de Farley sendo desfeita, o que é feito por alguém que não Johns. E então você percebe, e vê uma figura cobrindo seu rosto, caída em seu centro e tipicamente dobrada por causa do efeito de espelho.
Feitas em 2018, essas pinturas são baseadas em uma fotografia de 1965 tirada no Vietnã pelo fotógrafo da revista Life, Larry Burrows (1926-1971). Johns descobriu isso em 2002, antes da série Regrets. Ela mostra a aflição de um soldado norte-americano que no final de uma missão mal sucedida, desabou sobre um tronco, com o rosto enterrado nas mãos, que repousam sobre uma mala. O homem ocupa tais obras como um fantasma, entre os verdes, marrons e amarelos da camuflagem e da selva. Umacapsula de obus ereta à sua esquerda é frequentemente expandida para formar uma coluna vertical, lembrando os pedaços de torno de madeira usados em várias obras anteriores, e sugerindo a base de uma cruz muito alta com Farleys espelhadas remodeladas como Maria e Madalena. Na menor das duas pinturas, uma forma áspera é visível por uma porta. Assemelha-se a uma rocha com uma forma de X feita de fita; Também poderia ser a cabeça enfaixada de um cadáver disposta e esperando por seu caixão.
Perto do final da mostra estão três linoleogravurasbaseadas em princípio em uma pintura maravilhosa - uma tela de 2016 dominada por uma extensão de azul celeste cercada pelo arranjo do belo rosto esticado do artista, nos seus pouco mais de 30 anos de idade e inspirado por Picasso. Consiste de olhos de desenho animado com cílios de raio de sol, lábios de gravata borboleta empurrados para as bordas da pintura e narinas em forma de vermes flutuando livremente no meio. Parece propor uma pintura como algo consciente, se não um ser, ou uma metáfora visual para o pensamento (seu, meu, nosso) reformulada pela arte. / Tradução de Claudia Bozzo
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