O ilustrador francês Pierre Le-Tan acumulou muitas coisas desde a infância: uma caixa de tabaco do príncipe Albert, um conjunto completo de armaduras japonesas, pinturas neorromânticas e surrealistas, um fragmento de mármore italiano do século XV. Le-Tan, que morreu em 2019, aos 69 anos, era mais conhecido por seus desenhos e aquarelas, que apareciam com frequência nas capas da New Yorker e em campanhas publicitárias e livros infantis. Ele passou boa parte da vida em Paris.
Ele também era um colecionador inveterado de arte e objetos. “Já tive, confesso, milhares de objetos”, escreveu. “Mesmo que hoje a maioria não passe de memórias, continuo a procurar, a encontrar, a adquirir”. Mas Le-Tan também era, à sua maneira, um colecionador de outros colecionadores e suas coleções: ele buscava vislumbres de pessoas que, assim como ele, não paravam de adquirir coisas. Ele transformou histórias sobre alguns de seus encontros com colecionadores em um livro ilustrado, A Few Collectors, publicado em 2013 na França e a ser lançado em inglês pela New Vessel Press em abril. O livro traz muitos de seus desenhos de objetos de colecionador, juntamente com relatos sobre as pessoas que os possuíam.
Vemos a princesa de Brioni, ex-aristocrata falida, vendendo sua coleção de pinturas. O excêntrico colecionador romano guardando em seu porão uma coleção arrepiante de modelos de cera de criminosos mortos. E o homem cujo apartamento parisiense está cheio de pinturas abstratas e bibelôs da moda, que vendem bem, mas que a Le-Tan parecem “irremediavelmente insípidos”.
E vemos também o homem que coleciona simplesmente papel amassado. “A luz e as sombras”, diz o colecionador, quando Le-Tan pergunta o que lhe interessa nos papéis. O autor fica triste quando, depois da morte do colecionador, seus sobrinhos se livram dos papéis, desfazendo o trabalho de sua vida.
Tomadas em conjunto, esses retratos de vidas ilustram algo sobre o estranho impulso à aquisição desenfreada, mesmo quando o impulso vem com um custo. (O próprio Le-Tan muitas vezes vendia objetos para pagar as contas, depois comprava mais).
“O que acho interessante no livro é que ele é incrivelmente honesto sobre o ato de colecionar”, disse Michael Z. Wise, cofundador da New Vessel Press, que leu o livro em francês e decidiu adquiri-lo para tradução em inglês. “Ele também não se esquiva de mostrar o lado negativo da compulsão. É muito honesto, mas, para ele e para as pessoas que ele retrata, colecionar é realmente uma das forças motrizes da vida”.
Le-Tan consegue transmitir tudo isso porque era ele próprio uma força motriz. Andrew Strauss, negociante e especialista em arte que administrou uma venda de objetos de Le-Tan na Sotheby’s em Paris no ano de 1994, descreveu a abordagem do colecionador como muito abrangente.
Strauss descreveu o gosto de Le-Tan como “atemporal”. “Podia ser algo do Egito de 1300 a.C., um tapete persa do século 17, móveis chineses, toda uma gama de arte do século 20, primeiras edições de livros”. Fosse o que fosse, disse ele, Le-Tan tinha “um olho fantástico”.
Esse olho muitas vezes estava sintonizado com suas ilustrações, claro. Whit Stillman, diretor de filmes como Metropolitan e ‘The Last Days of Disco, contratou Le-Tan para criar os pôsteres de seus filmes e capas de seus romances.
“Ele tinha uma personalidade complexa, era um gênio como artista e profundamente erudito”, disse Stillman. “Ele traz muito humor para suas obras, como no caso do livro sobre colecionadores. Tem um maravilhoso senso de humor no seu trabalho e na sua vida cotidiana. Estar com ele era viver uma comédia constante”.
O livro também é muito engraçado e curioso. Há comentários maravilhosos que evocam sua cena social colorida, como: “Vi pela última vez o dono (da pintura) numa festa em Nova York – onde Andy Warhol estava presente – e ele me informou que o preço havia caído pela metade”. Ele evoca sociedades perdidas de Paris, Nova York e Roma e seus elencos de personagens. Mas também é pungente, sobretudo quando ele se volta para objetos perdidos e suas próprias posses.
Depois que Le-Tan morreu, grande parte de sua coleção foi leiloada na Sotheby’s, dispersa, como ele esperava que fosse. Ele tinha documentado outras grandes coleções que se desintegravam após a morte. Mas, comoventemente, ele escreve em A Few Collectors sobre o que ele esperava deixar para trás – ilustrando uma das esculturas de mármore que ele possuía ao lado da boneca de sua filha.
“Espero deixar para trás apenas essas coisinhas”, escreve ele, “provavelmente num estado lamentável, mas muito precioso, coisinhas que foram feitas ou dadas a mim por meus filhos: uma estatueta em massa de modelar, um recorte, uma concha quebrada, um botão de rosa”.
Este artigo foi publicado originalmente no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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