ROMA - Quando as fascinantes fotografias de Paolo Pellegrin da batalha pela retomada da cidade iraquiana de Mossul, em 2016, foram expostas na Galeria 5 do Maxxi, museu nacional da Itália dedicado à arte contemporânea e arquitetura, nos folhetos seu trabalho foi qualificado como “Guernica contemporânea”, uma referência à obra-prima de Picasso.
Como Guernica, o patchwork de imagens de Pellegrin confronta o espectador com um ataque frontal inflexível retratando a guerra na sua totalidade, abrangendo o campo de batalha, a população civil em fuga e os choques após os combates entre vitoriosos e vencidos. Em uma das fotos em grande formato, a fumaça dos campos de petróleo em chamas de Qayyara, a sudeste de Mossul, é a protagonista: uma beleza terrível, abstrata.
A coleção de fotos serve como introdução ao mundo de sofrimento humano e conflito brutal de Pellegrin, tema recorrente nessa exposição retrospectiva da sua obra no museu que vai até 10 de março de 2019.
Guernica foi pintado em 1937, retratando o resultado do bombardeio da cidade espanhola do mesmo nome, mas no decorrer dos anos a obra-prima de Pablo Picasso se tornou um símbolo universal da angústia e da devastação causadas pela guerra.
Esta é uma ideia pela qual Pellegrin sempre se interessou – “fazer o específico coincidir com o universal”, nas palavras do fotógrafo. E é neste momento, ele explicou durante uma entrevista concedida em novembro, “que a fotografia se torna arquetípica”.
As fotos de Mossul foram feitas quando as forças militares tentavam retomar a cidade dos militantes do Estado Islâmico, mas dentro dessa particularidade “existe o eco de algo maior, a ideia do conflito”, afirmou.
As fotos expostas na Galeria 5, em Roma, foram publicadas originalmente na revista The New York Times Magazine, em novembro de 2016. A exposição na capital italiana não é a primeira vez em que as fotos de Pellegrin são exibidas em uma galeria. Mas trata-se da maior retrospectiva de sua obra e a primeira na cidade onde ele nasceu, em 1964. (O fotógrafo agora divide seu tempo entre Londres e Genebra).
Pellegrin passou dois anos analisando seus arquivos para selecionar mais de 150 fotos de duas décadas da sua vida itinerante, que o levou a países na África, Ásia, Europa Oriental, Oriente Médio, entre outros lugares.
Pellegrin documentou guerras, agitações civis, regiões sórdidas americanas, desastres ambientais, a população Roma, a imigração em massa, celebridades e pessoas comuns. No processo conquistou muitos prêmios e patrocínios, incluindo dez World Press Photo Awards.
A importância da fotografia está no “que elas procuram dizer”, afirmou. E neste processo a paternidade do fotógrafo é limitada, diz ele, descrevendo o momento em que a foto é tirada como uma encruzilhada onde o fotógrafo, o objeto sujeito e a história se entrelaçam para dar vida a uma imagem. Depois disto a imagem adquire vida própria: como ela é apreendida depende do espectador. Em 2017, Pellegrin viajou para a Antártica onde se juntou à Operação IceBridge, expedição da NASA para documentar o impacto da mudança climática – “o tema central da nossa existência, nossa e dos nossos filhos”, disse ele.
Ao receber a encomenda da New York Times Magazine, Pellegrin admitiu que a tarefa que lhe foi dada implicou um desafio particular: a fotografia “não é equipada para lidar com a lentidão da mudança climática”, explicou. Então ele preferiu captar “a fragilidade da beleza de uma paisagem extraordinária que está extraordinariamente em perigo”.
A exposição no museu Maxxi inclui um tríptico de imagens desse projeto: imagens inóspitas, quase abstratas, que lembram a caligrafia japonesa ou as telas retalhadas do artista italiano Lucio Fontana.
O fotógrafo disse que a dispersão da Antártica estimulou um enfoque visual que vinha desenvolvendo em seus trabalhos recentes. “Depois de anos lutando com a ausência de uma terceira dimensão, criando profundidade usando forma e camadas, eu me vi fazendo o oposto, tentando eliminá-la”.
Pellegrin comparou esta nova abordagem a uma escultura surgindo de um bloco de pedra, “remover, remover, até chegar ao centro, à essência”, disse.
A opção por fotografar especialmente em branco e preto serviu a um objetivo similar.
“Acho que subtrair um elemento do real permite à foto se expressar em termos mais simbólicos. A cor está ligada à nossa maneira de ver, de perceber o mundo, ao passo que a abstração do preto e branco oferece uma possibilidade expressiva adicional”, disse.
O artista se considera parte de “uma tradição e estirpe de fotógrafos que se expressam em branco e preto”, incluindo colegas profissionais que ele admira, como Robert Frank, William Klein e Gilles Peress. Gilles trabalhou para a Magnum Photos, cooperativa internacional de fotógrafos da qual ele faz parte desde 2005.
A despeito dessa veneração pela fotografia em preto e branco, Pellegrin produziu algumas imagens da cidade italiana de L’Aquila, devastada por um terremoto em 2009, em cores. Essas fotos foram utilizadas por um projeto recente do Maxxi que pretende formar parte de um museu de arte contemporânea na cidade.
Maxxi L’Aquila, como essa instituição será conhecida, deve ser inaugurada em algum momento de 2019, se o governo aprovar e fornecer o financiamento necessário.
Giovanna Melandri, a presidente da Maxxi Foundation, disse que o novo museu deve contribuir para o “renascimento de uma cidade dramaticamente ferida”.
Paolo Pellegrin e outros cinco artistas receberam encomendas para criar obras específicas para o Palazzo Ardinghelli, uma construção do século 18 que deve sediar o Maxxi L’Aquila.
Seu projeto tem duas partes: um painel com 140 imagens separadas em preto e branco dos danos à arquitetura da cidade e a sua subsequente reconstrução, agora em exposição no piso térreo do Maxxi, em Roma, e uma série de painéis coloridos da região rural ao redor da cidade de L’Aquila que Pellegrin fotografou durante uma noite à luz da lua.
“Paulo sempre teve esse tipo de abordagem, no limite, observando o mundo enquanto ele se move”, afirmou Melandri.
Pellegrin conta que ele se sentiu honrado por ter sido um dos escolhidos para esse projeto. “O que é importante é que o museu Maxxi abra em L’Aquila, e que exista uma consciência da necessidade de contribuição artística”, afirmou o fotógrafo. “Esse espaço novo será um forte sinal disso”, completou.
Várias fotos expostas em Roma foram produto do trabalho feito para a The New York Times Magazine. Capas da revista se destacam no material pessoal do fotógrafo – sketches, cadernos de notas, folhas de contatos e storyboards expostos em uma parede da galeria que dão um vislumbre do enfoque de Pellegrin dos assuntos que documenta.
E há vestígios também de um tempo em que a fotografia exigia não só um bom olho, mas destreza no quarto escuro. Uma foto mostra Pellegrin muito jovem, fotografando com uma câmera Hasselblad. Ele ainda viaja com uma câmera de filme junto com sua aparelhagem digital.
“A fotografia é uma linguagem ativa que dá voz ao fotógrafo”, disse ele, e essa voz muda com o tempo, “como nós mudamos”.
O que permanece sempre é o impulso de manter um diálogo com o observador, deixar a foto aberta a interpretações, disse.
“É uma dinâmica ativa”, com cada imagem “carregada de perguntas e dúvidas”, que são resolvidas caso a caso. “E tudo depende de quem está observando”. / Tradução de Terezinha Martino
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