No final do século 19, boa parte mundo ainda estava no escuro. A sociedade, porém, conforme vivia revoluções e progresso, resolver esse problema elétrico era urgente. Havia uma corrida desenfreada para encontrar a forma mais eficaz de produzir e transportar eletricidade, dando início a uma histórica disputa que ficou conhecida como a “Guerra das Correntes”. O vencedor dessa batalha determinaria o curso da humanidade.
De um lado, estava o famoso engenheiro americano Thomas Edison (1847-1931), célebre inventor de dispositivos que vão desde a lâmpada incandescente até o cinescópio; e do outro, estava Nikola Tesla (1856-1943), um jovem excêntrico imigrante do leste europeu (Smiljan, sua cidade natal, hoje fica na Croácia). Por anos, eles discordaram para tentar estabelecer qual sistema era melhor e mais seguro: o de corrente contínua, defendido por Edison, ou o de corrente alternada, defendido por Tesla.
Tesla trabalhava para Edison, mas discordava do patrão, pois havia testado e aprovado o sistema de corrente alternada quando construiu o revolucionário motor de indução, em 1883. Edison, porém, insistia na transmissão por corrente contínua e os dois se separaram. Foi aí que o magnata George Westinghouse, pedra angular no conflito, entrou em cena e se aliou a Tesla ao comprar seus direitos de patente do sistema de motores de corrente alternada. Desde então, o mundo nunca mais foi o mesmo.
O projeto de Tesla foi capaz de transmitir energia de forma viável e econômica através de grandes distâncias, consolidando-se como principal método de distribuição de energia elétrica. Ou seja, não é exagero dizer que Tesla inventou o mundo moderno.
Muito já foi escrito e especulado a respeito do cientista que desvendou alguns dos maiores mistérios da natureza, mas em Tesla: A Vida e a Loucura do Gênio que Iluminou o Mundo, recém-lançado no Brasil pela editora Globo Livros, o jornalista sérvio Marko Perko (falecido em novembro do ano passado) e o psiquiatra americano Stephen M. Stahl se uniram para uma biografia definitiva que busca investigar não apenas os feitos científicos de Tesla, mas, principalmente, a personalidade complexa de um homem que estava à frente de seu tempo.
“O mundo estranhamente o ignorou em grande medida, dando crédito a Edison e a Marconi. Poucos sabem que ele [Tesla] inventou o rádio apesar de Marconi ter ganho o prêmio Nobel com um processo de patente resolvido em favor de Tesla, julgando que Marconi infringiu patentes anteriores do inventor croata. Tesla previu a internet, inventou o motor de indução, o controle remoto, as luzes de néon e muito mais. Muitas dessas informações são desconhecidas do público genérico e Tesla recebeu muito pouco crédito pelo que fez’’, conta ao Estadão o Dr. Stahl.
E não é surpresa que, décadas depois de sua morte, o nome do inventor tenha sido incorporado na cultura popular de várias maneiras – seja ao comprar um carro elétrico da poderosa companhia de Elon Musk; ao ouvir um álbum da banda homônima de rock dos anos oitenta; ou vê-lo retratado em produções cinematográficas de Hollywood como O Grande Truque (2006), A Batalha das Correntes (2017) e Tesla (2020).
O maior dos cientistas hoje está associado a uma “marca mundial de veículos’', mas poucos sabem que Nikola, atormentado por demônios pessoais, tinha seus próprios segredos e idiossincrasias que contribuíram para a consolidação do mito em torno de sua figura. Enquanto desenvolvia invenções geniais, o engenheiro passou a vida inteira lutando contra o trauma da perda precoce do irmão mais velho em um acidente, quando Tesla tinha apenas cinco anos de idade. A tragédia o afetaria de forma devastadora, pois Tesla se sentia responsável de alguma forma pelo ocorrido.
O fato desencadeou uma série de patologias mentais em Tesla, desde alucinações variadas até a bipolaridade e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). No entanto, ele se recusava a ir ao médico ou a obedecer a clichês da vida cotidiana, o que acarretou em um fim de vida solitário em um quarto de hotel na cidade de Nova York.
“Seus sintomas de TOC eram mais curiosidades do que deficiências. Por exemplo, ele só moraria em um endereço divisível por três. Ele não comeria alimentos com certas texturas, como pêssegos. Em alguns momentos, ele tinha rituais de alimentação em que não tocava em nada com as mãos, mas apenas com luvas ou guardanapos. Por outro lado, seus estados hipomaníacos “up” mudavam sua rotina, pois eram momentos em que ele era mais carismático, capaz de arrecadar fundos, convencer outras pessoas de suas ideias e escrever patentes. Durante seus estados depressivos ‘para baixo’, ele não era produtivo”, analisa o autor do livro.
Durante a juventude, quando foi arrebatado pelos primeiros episódios de depressão severa, Tesla encontrou refúgio na literatura. O garoto de personalidade esquizoide contraiu o hábito de ler incessantemente as primeiras obras de Mark Twain, de quem se tornaria amigo anos depois; bem como os clássicos de Shakespeare, Goethe, Descartes e Voltaire. O ávido interesse pela leitura, que perduraria até seus dias derradeiros, proporcionou a Tesla uma compreensão fundamental: que a simbiose entre as humanidades e as ciências é inegável – uma relação intrínseca que está mais do que provada nesta nova biografia.
TESLA: A vida e a loucura do gênio que iluminou o mundo
- Autores: Marko Perko e Stephen M. Stahl
- Tradução: Fal Azevedo
- Editora: GLOBO LIVROS
- 464 páginas. R$79,90 ou R$ 54,90 (E-book)
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