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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

‘Acho que vivemos um empobrecimento intelectual e poético’, diz Denise Fraga

Atriz e dramaturga volta com nova temporada do monólogo ‘Eu de Você', em que recorre a clássicos da literatura, à musica e à poesia para falar de situações cotidianas

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Foto do author Marcela Paes
Atualização:

Denise Fraga costuma recorrer aos clássicos, à música e à poesia em diversos momentos de sua vida. E é justamente esse um dos trunfos da peça Eu de Você. O monólogo, idealizado e criado por ela, tem direção de seu marido, Luiz Villaça, e volta com nova temporada no Teatro TUCA a partir do dia 19.

“Quando você está vivendo uma coisa cotidiana que é o sofrimento, se você tem a arte pra se segurar, você tem uma tábua de salvação”, diz Denise sobre a relação das obras que cultua com o monólogo. Experiente no teatro, a atriz conta que, ao longo dos anos, percebeu uma diminuição na percepção de ironia e metáfora pelo público nas apresentações de seus espetáculos.

A atriz e dramaturga Denise Fraga Foto: DIV

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“As pessoas ficaram com o código poético destruído e esvaziado. Uma piada mais sutil talvez seja compreendida só por 20% da plateia”, diz ela à repórter Marcela Paes. Eu de Você também será objeto de um documentário que retrata o processo de retorno da atriz ao palco de um teatro vazio, durante a pandemia. Leia abaixo a entrevista:

Em Eu de Você você traz muitas falas sobre poesia, música e literatura. São coisas a que você recorre na sua vida quando precisa dar um respiro dos problemas?

Quando veio a ideia da gente fazer ligações da vida cotidiana com trechos da literatura, da poesia e da música, a peça fez um sentido danado para mim. É como se carimbasse até uma ideia do porquê que eu fiz as outras peças. Quando decidi fazer o teatro, o teatro que eu acredito, foi porque eu pego uma coisa na estante e penso ‘olha como o que esse cara escreveu há quase 100 anos dá voz para a sua angústia de hoje, como tem a ver com o que você sente e como ele, de certa maneira, faz você compreender a diversidade do que você está vivendo’.

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Você já disse que a arte ajuda a gente a viver, que quem lê Dostoiévski e Fernando Pessoa, no mínimo, vai sofrer mais bonito.

Quando você está sofrendo, se você tem a arte pra se segurar, você tem uma tábua de salvação. A arte faz você se sentir pertencente a um negócio muito maior, que é a roda da humanidade. Todo mundo sofre e, às vezes, você tem nas palavras de outras pessoas algo para representar isso. Você não deixa de sofrer, mas você tá ali chorando e pensa ‘é igual aquele poema do (Fernando) Pessoa’. Você continua chorando, mas tem o poema para ler, tem música do Chico (Buarque) pra cantar... Vai te trazer algum conforto. É o que eu sempre falo: a lucidez não nos livra dos dramas.

Acha que o brasileiro, no geral, precisaria ter mais contato com cultura para viver melhor?

Acho que a gente tá vivendo um empobrecimento intelectual, subjetivo e poético, que, na verdade, é fruto da velocidade que se impingiu com a vida virtual. Acho que uma velocidade absurda, quase inumana, foi colocada na nossa vida. Temos que cumprir coisas que são praticamente impossíveis de cumprir. Por isso, temos esse show de crises de ansiedade. O Brasil virou o primeiro País em ranking de ansiedade. Um ranking absurdo para um País que era o País do jogo de cintura. Nada dá tempo. Você fica meio perdido nesse lugar e tudo fica muito rasteiro. Se você põe um texto grande na internet, já falam ‘lá vem textão…’. Ninguém quer ter muito trabalho intelectual e poético diante dessa coisa tão multifacetada e tão pulverizada.

Você consegue observar isso no público?

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Estou na estrada viajando com o teatro desde 2006. A maioria das minhas peças não é exatamente cômica, mas nelas você ri e se emociona. Eu sinto uma resposta sonora da plateia pelo humor. A risada não é sempre igual, não é só hahaha. Você passa a ler a risada de ouvido e eu sinto que nesses anos há uma queda da percepção de ironia e de metáfora. As pessoas ficaram com o código poético destruído e esvaziado. Uma piada mais sutil talvez seja compreendida só por 20% da plateia. E eu me preocupo, em tudo que faço, de não ser fácil, mas ser claro. Eu não sei você, mas eu lia muito mais antes. Hoje a pilha de livros que eu quero ler cresce na minha mesa e não consigo tempo. Quando você vê, o whatsapp já te absorveu.

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E no teatro não dá para olhar o celular.

Precisamos fazer esse exercício contrário de voltar à leitura, de voltar à escuta. O teatro talvez fique cada vez mais precioso porque ele propõe um mergulho em que você vai ficar ali, a princípio, sem olhar o celular. É um mergulho numa sala escura, numa experiência coletiva onde a pessoa que está ao seu lado rindo talvez modifique o seu riso, onde a fungada da pessoa ao seu lado talvez te dê coragem pra chorar. Essa experiência coletiva de assistir junto é o verdadeiro compartilhar. Acho tão louco que esse verbo compartilhar, que a gente usa tanto, acabe tendo o sentido errado. Compartilhar um vídeo, não é compartilhar. Você não está vendo junto, a pessoa vê a hora que quer... Compartilhar é compartilhar.

No seu trabalho você costuma usar o humor e já disse que a gargalhada é um instrumento de ganho de consciência, de sabedoria. Na sua vida pessoal, costuma encarar os problemas e desafios com um viés bem humorado?

Sou uma pessoa bem-humorada. Acho até que a profissão me ensinou isso. Eu não fui uma criança que era rainha da festa. Sempre fui muito tímida. Têm atores e comediantes que são os reis da mesa. Eu hoje sou, como dizem, saidinha. Adoro uma mesa com cerveja com os amigos e faço minhas graças, mas eu não sinto que tenho essa raiz da show woman, da comediante nata. Eu tenho um amor pelo humor, porque acho que rir é meio se assistir de camarote, principalmente quando você consegue rir de si mesmo. Observar a vida enquanto ela passa e ver isso, esse pertencimento, essa ideia de que todos estamos aqui mais ou menos no mesmo barco. A gente fica achando que a gente está sozinho e a gente tá sozinho junto com um monte de gente que tá se sentindo sozinha.

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