Há três anos Iliel Galdino e Michael Douglas Correia chamam a atenção de quem passa pela rua e os vê com uma roupa branca dos pés à cabeça, usando máscara e luvas. A dupla, acompanhada do motorista Harlei Ramos, integra a equipe que costuma recolher as oferendas deixadas nos bairros dentro da Subprefeitura de Pinheiros.
O serviço funciona por meio de chamados de munícipes, que ligam para uma central e informam onde há algo a ser recolhido. As oferendas são coletadas por uma equipe especial porque, muitas vezes, têm pedaços ou carcaças inteiras de animais mortos, em decomposição. Bode é o bicho que mais costuma aparecer nos presentes aos orixás, depois as galinhas, segundo os garis.
Quase sempre há alimentos perto dos animais – pipoca é comum – assim como cigarros, velas e, em algumas ocasiões, fotos de pessoas. De acordo com a equipe, os lugares mais comuns são praças com muito verde e locais mais afastados da circulação de pessoas.
“A maior que recolhemos foi uma oferenda em que eram três cabeças e três carcaças de bode espalhadas por uma praça no Brooklin”, diz Douglas. Os três seguem a religião evangélica e encaram a tarefa com naturalidade. “Pra mim, é só trabalho. Algumas pessoas nos dizem que não teriam coragem, mas a gente não vê assim. Simplesmente recolhemos e missão cumprida. Nada contra”, diz Galdino.
No dia em que a reportagem acompanhou a equipe, eles estavam na região da Avenida dos Bandeirantes, na Vila Olímpia. Michael e Galdino olham os pedaços de bode deixados em uma das laterais da pista sem espanto. Com uma pá, retiram a parte de carcaça deixada em um cesto e nem piscam ao ver as centenas de larvas que estavam embaixo dos restos do animal. Também parecem indiferentes ao cheiro que exala do local. Ao terminarem, se livram da roupa branca, das luvas e da máscara jogando tudo dentro do caminhão de lixo.
A empresa em que eles trabalham presta um serviço terceirizado e costuma atender aos chamados três vezes por semana. Cada uma das 32 subprefeituras tem uma equipe responsável pela coleta de animais mortos em vias e, de acordo com dados dos órgãos responsáveis, só em 2022 foram recolhidas 19 toneladas de resíduos provenientes de animais mortos – neste ano foram registrados 1331 chamados para a realização do serviço.
Segundo o antropólogo e babalorixá Pai Rodney de Oxóssi, as oferendas são colocadas na rua porque o espaço “representa a energia dinâmica que abre os caminhos e ajuda a realizar rapidamente os pedidos direcionados a Exu”. Também de acordo com ele, a predileção por locais com mais verde e mais afastados “se deve à perseguição e intolerância”.
“Não haveria problema algum em colocar uma oferenda para Exu em plena Avenida Paulista, mas o povo de Axé prefere ter paz do que ter razão e acaba se afastando de lugares muito movimentados para não precisar lidar com a discriminação e o preconceito”, afirma.
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