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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

‘Fui muito infeliz nos últimos anos em que eu estava como CEO’, diz Daniela Falcão

A ex-diretora da Vogue e CEO da Globo Condé Nast abriu, no fim no ano passado, a Nordestesse, loja de produtos autorais de designers, estilistas e artistas do Nordeste

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Foto do author Marcela Paes
Atualização:

Aos 52 anos, Daniela Falcão vive um momento de virada em sua trajetória. A ex-diretora da Vogue e CEO da Globo Condé Nast abriu em dezembro do ano passado a Nordestesse, loja em que reúne criações autorais de estilistas do Nordeste – além de trazer mostras de artistas e um pouco da gastronomia da região para o coração do Jardins, em SP. A primeira experiência no varejo e o contato com artesãos trouxeram novas perspectivas para Daniela e a oportunidade, segundo ela, de ser mais autêntica.

Daniela Falcão  Foto: Bruna Guerra

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“Sinto que posso mudar a vida desses jovens estilistas. Eu era uma editora gorda e nordestina em uma época em que isso não era aceitável. Sou muito mais eu hoje do que eu fui lá”, diz à repórter Marcela Paes. Entre os projetos para o futuro, além da loja, ela pensa em escrever um livro sobre sua trajetória.

Leia abaixo a entrevista em que ela fala sobre o processo de mudança de vida, a nova empreitada profissional e também sobre as denúncias de assédio de ex-funcionários publicadas pelo BuzzFeed em agosto de 2020.

Como foi o processo de sair da ‘Globo Condé Nast’?

Antes da pandemia eu já estava numa crise sobre o que queria fazer, para onde eu estava indo. Eu vinha de 15 anos de Vogue, 30 anos de jornalismo, e tinha feito basicamente todas as coisas que queria. Fui muito infeliz nos últimos três anos em que estava como CEO. É muito frustrante você estar numa posição que você tem que trazer dinheiro a qualquer custo. E eu sempre fui a pessoa da qualidade, de querer fazer coisas geniais, então estar nesse momento em que eu cortava os budgets pra mim era cortar na pele. Não foi culpa de ninguém, era por conta das circunstâncias. Aí veio a pandemia e eu fui para o Recife porque minha namorada mora lá e eu ficaria mais perto dos meus pais, que vivem em Salvador.

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Foi aí que você começou de fato a pensar em sair?

O plano era voltar para São Paulo em julho, mas foi a primeira vez que eu verbalizei pro meu chefe que eu não queria voltar para São Paulo. Começamos a pensar se daria, mas no meu cargo era difícil. Estava num momento de muito desgaste, crise e eu entendendo que eu não ia poder ficar por lá. Aí terminei tendo a sorte de ter uma saída que me permitiu negociar um sabático maravilhoso, porque eu tinha um acordo de non-compete. Eles tinham medo que eu fosse trabalhar em outra empresa jornalística, então pude fazer o sabático que eu não tinha tido em 30 anos.

Esse período ajudou a pensar na ideia da criação da Nordestesse?

Aproveitei para conhecer o Nordeste. Já conhecia bem a Bahia, porque sou de lá, também Pernambuco e Alagoas, mas fui para o Piauí, para o Ceará, para o Rio Grande do Norte. E, além de pessoas do Recife, onde eu estou morando, fui conhecendo estilistas, chefs de cozinha e designers dos lugares que eu visitava e percebi que eles tinham produtos muito bons, com uma criação autoral e um saber artesanal. Conheci estilistas mais jovens que trabalhavam com uma cadeia de artesãos e que faziam produtos muito originais. Comecei a postar nas minhas redes esses achados e muita gente vinha perguntar como comprar, os produtos esgotavam. Tinha até mais interação do que quando eu cobria desfiles de semanas internacionais de moda.

Como está sendo a experiência de trabalhar com o varejo, com a abertura da loja em SP?

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Para mim está sendo um grande turning point, é o que eu quero fazer dos meus próximos 50 anos. Como CEO eu aprendi muito sobre o que as marcas precisam. Entendo muito de imagem, de branding, mas o dia a dia do negócio eu não sabia. Como jornalista eu aprendi a ser curiosa, a fazer perguntas para entender, e essa habilidade é boa no empreendedorismo. Também existe uma troca porque eu também aprendo com as marcas, além do aspecto de trabalhar com artesãos.

Os artesãos têm um tempo diferente de trabalho.

Às vezes chegam clientes da Nordestesse e me perguntam se têm desconto se comprarem mais. E eu tenho que explicar que é um trabalho artesanal. Se comprar 10 ou 100 o trabalho do artesão é o mesmo, não é uma máquina que vai lá e faz. Meu grande aprendizado é entender esse novo modo de produção que é mais sustentável. É slow porque tem que ser slow, não tem outro jeito. E gera um impacto muito positivo nas comunidades que estão produzindo aquilo.

Um pouco antes da sua saída da ‘Globo Condé Nast’ uma matéria publicada pelo site ‘BuzzFeed’ trouxe denúncias de assédio moral por parte de ex-funcionários contra você. Isso acontecia de fato?

Sim, acontecia e era incentivado. Quem entrava ali já achava que isso vinha com o pacote de trabalhar na Vogue. Até gente que estava hierarquicamente abaixo reproduzia indiretamente esse comportamento. As pessoas assistiam ao filme O Diabo Veste Prada e queriam passar por tudo aquilo que a Andy (personagem vivida por Anne Hathaway) passou. Acho que eu fui o bode expiatório, porque é muito mais fácil você colocar o comportamento errado de todo um grupo nas costas de uma só pessoa. Era errado, mas não partia só de mim. Tinha coisas na matéria que eu nem tinha conhecimento e foi escrito como se eu tivesse feito. Não eram mentiras, mas não aconteceu do jeito que foi colocado pelo jornalista.

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Como você reagiu a isso?

Sofri pra caramba e me senti injustiçada , mas agora não paro para pensar nisso porque eu estou onde deveria estar. Hoje sou uma pessoa melhor e estou feliz. Acho que o que aconteceu fez todo mundo se questionar. E foi uma coisa da Condé Nast global, não foi uma coisa única do Brasil. Esse esquema de trabalho de horas insanas, de exigir demais das pessoas, valorizar o sofrimento. Isso não era certo mesmo.

Trabalhar com um tipo de moda diferente, que não é o das grandes marcas de luxo com as quais você estava acostumada no tempo de ‘Vogue’, te trouxe perspectivas diferentes no aspecto pessoal?

Antes de entrar na Vogue eu trabalhava na Folha de Brasília e cobria muito a região Norte. A minha realidade não foi sempre a realidade do luxo. Então, de certa maneira, me sinto voltando às origens. Sinto que posso mudar a vida desses jovens estilistas. Consigo olhar mais pra dentro porque eu também já fui a ‘estranha no ninho’ quando estava na Vogue. Eu era uma editora gorda e nordestina em uma época em que isso não era aceitável. Sou muito mais eu hoje do que eu fui lá. Não gosto de coitadismo. Lá eu tive acesso às coisas boas que vivi, mas talvez hoje eu esteja sendo mais autêntica com quem eu realmente sou.

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