Mariza vai interpretar músicas de Amália Rodrigues, grande nome do fado português, em São Paulo, no Tokio Marine Hall, no dia 19. Com o carioca Jaques Morelenbaum, arranjador e violoncelista, ela fez o álbum que será apresentado por aqui: “Mariza canta Amália”. A cantora diz que a troca entre Portugal e Brasil é rica, com artistas de ambos os países incorporando elementos um do outro em suas músicas. Para Mariza, o fado não pode ser reduzido à tristeza e se renova misturado até em gêneros como rap e hip-hop: “O fado vai além do estereótipo de melancolia”.
A cantora, que nasceu em Moçambique e cresceu em Portugal, conta que tem o desejo de pisar palcos na companhia de Chico Buarque e que gosta muito de artistas como Ney Matogrosso, Roberto Carlos, mas também de Alcione para possíveis parcerias musicais. Confira a entrevista completa com a cantora:
Como será seu show em SP?
O show será uma experiência envolvente destacando uma profunda expressão emocional, o repertório passará pelo álbum “Mariza canta Amália”, alguns clássicos, e ainda a apresentação em primeira mão do disco “Amor” que só sairá no final de 2024. Preparei este tour com muito carinho.
Amália Rodrigues é conhecida pelos portugueses de hoje?
Sim, Amália Rodrigues ainda é amplamente reconhecida e referenciada em Portugal e a internacionalmente, mesmo após a sua morte. Considerada uma das figuras mais importantes e icônicas do fado, o seu legado continua a influenciar o gênero e a cultura portuguesa. Amália não só popularizou o fado pelo mundo, mas também renovou-o, trazendo uma nova profundidade emocional e variedade de temas às suas canções.
Como é o trânsito de música entre Portugal e Brasil?
A troca musical entre Portugal e Brasil é rica e dinâmica, refletindo a profunda conexão histórica e cultural entre os dois países. Esta interação musical pode ser vista em diversos aspectos, influências e fusões de artistas de ambos os países frequentemente se influenciam mutuamente, com brasileiros incorporando estilos portugueses como o fado nas suas músicas, e portugueses explorando ritmos brasileiros como samba, bossa nova e forró. Há uma fusão de gêneros, onde músicos experimentam e criam sons únicos, mesclando elementos da música tradicional e contemporânea de ambos os países.
Com quem gostaria de cantar no Brasil?
A minha relação com a música brasileira é muito grande, sou grande admiradora de MPB, adoraria ter cantado com artistas como Elis Regina, Clara Nunes. Tenho o desejo obviamente de pisar palcos na companhia de Chico Buarque, mas gosto de tantos artistas, Ney Matogrosso, Roberto Carlos, mas também de Alcione. O mundo musical é tão vasto que só uma conversa bastaria, teria que fazer sentido para se fazer uma parceria, tanto para mim quanto para o outro artista.
Qual dos estereótipos do fado não é verdadeiro ?
Entre os mais comuns, destaca-se a ideia de que o fado é uma música essencialmente melancólica, que fala de desventuras, saudade e destinos marcados pelo infortúnio. De fato, esta característica é parcialmente verdadeira, uma vez que muitas canções de fado expressam emoções profundas, de melancolia e reflexões sobre as dificuldades da vida. No entanto, é importante compreender que o fado também pode abordar temas variados, incluindo, amor, alegria e cotidiano. O fado vai além do estereótipo de melancolia, abrangendo uma ampla gama de emoções humanas e experiências.
Portugal é mais melancólico que o Brasil?
Portugal, com o seu profundo vínculo com o fado, que frequentemente explora temas de saudade, pode dar a impressão de ter uma inclinação cultural para a melancolia. Por outro lado, o Brasil, conhecido pela sua vibrante cultura de samba e carnaval, festas e diversidade natural e cultural, pode ser percebido como um país mais alegre e extrovertido. O Brasil também possui uma rica tradição de literatura, música e arte que explora temas de luta, saudade e reflexão, semelhantes aos de Portugal. É importante reconhecer a complexidade e a diversidade dentro de cada cultura, em vez de reduzi-las a um único traço ou emoção.
O que ocupou o lugar do fado na música portuguesa? Ele segue atraindo inclusive os jovens?
O fado mantém a sua relevância, atraindo inclusive jovens ouvintes e artistas. Nos últimos anos, houve um renovado interesse pelo fado entre os jovens, em parte graças a novos intérpretes que modernizaram o gênero, misturando-o com elementos contemporâneos sem perder a sua essência. Essa renovação ajudou a manter o fado vivo e vibrante, garantindo a sua transmissão para as futuras gerações.
Daqui a cem anos, os grandes intérpretes voltaram ao fado, como você faz agora?
É bem provável que sim, assim como acontece em muitas tradições musicais que têm uma conexão profunda com a cultura e a história de um povo. O fado, sendo uma expressão tão enraizada na identidade portuguesa, tende a ser redescoberto e reinterpretado por novas gerações.
O fado segue vivo no mundo do rap, do hip-hop e do Spotify?
O fado, com suas raízes profundas na expressão emocional e na sua narrativa, encontrou maneiras de ressoar e de se reinventar na era moderna da música, inclusive dentro de gêneros como rap e hip-hop. Artistas de diversas origens têm incorporado elementos do fado nas suas músicas, seja através da utilização de melodias melancólicas, do emprego de instrumentos tradicionais como a guitarra portuguesa ou da exploração de temas líricos semelhantes, como saudade, destino e a complexidade da experiência humana. No mundo do Spotify e das plataformas de streaming, o fado também mantém a sua presença e acessibilidade, permitindo que novas audiências descubram e explorem este gênero tradicional.
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