A chef Tássia Magalhães, 35 anos, é responsável por um dos restaurantes mais premiados do País. O Nelita (R. Ferreira de Araújo, 330 – Pinheiros) ocupa a 21ª posição no Latin America’s 50 Best Restaurants. Tássia também está na La Liste, a lista francesa que seleciona restaurantes e chefs que se destacam no meio. Recentemente, foi reconhecida pela New Talent Award 2024, que aponta chefs promissores e que estão traçando o futuro da gastronomia. Nesta conversa, ela fala sobre o início da carreira, a opção de ter uma cozinha 100% feminina e muito mais. A seguir:
Qual o prato que vem na sua cabeça quando você pensa em comida?
Para mim, sem dúvida, é uma massa. Acho que aquela macarronada de domingo, aquela comida do interior. Sou de Guaratinguetá, passei muitos anos da minha vida lá. Os almoços de domingo eram sagrados na minha casa. Quem cozinhava aos domingos era meu pai. A gente tinha um horário marcado – e todo mundo tinha que estar naquele horário sentado em volta da mesa. Meu pai era bem rígido com isso.
Foi assim que nasceu seu interesse pela gastronomia?
Eu sempre gostei muito de cozinha, embora não tenha sido minha primeira opção de faculdade (foi Direito). Gostava muito de cozinhar, mas como um hobby. Na época de Guará, lembro que falei com meu pai que, talvez, quisesse fazer gastronomia. A gente não tinha muito entendimento ainda sobre como era essa faculdade. Meu pai disse que eu deveria tentar. Na época, fui fazer a faculdade em Campos do Jordão – porque era perto de Guará. Foi na faculdade que eu realmente me apaixonei pela profissão. Depois, eu me apaixonei por restaurantes quando entrei no Pomodori.
E como foi a experiência?
Foi uma coisa muito louca. Eu era muito nova. Aquele foi meu primeiro trabalho, meu primeiro estágio. Minha mãe e minha irmã mais velha foram me acompanhar e levar o currículo para o Jefferson (Rueda). Fico imaginando o que eu pensaria hoje se chegasse no Nelita uma estagiária acompanhada da mãe e da irmã...
Quais foram suas primeiras impressões?
Quando eu cheguei era uma cozinha muito masculina. Tinham muitos homens. No Pomodori, a cozinha já era aberta. Em 2008 para 2009, era um restaurante que bombava, era só com reserva. Aquilo me fascinou. Eu me encantei com a adrenalina, com a marcha das comandas...
Você é de uma geração anterior aos realities de gastronomia, da ideia de um certo glamour na profissão...
Os programas da minha época não tinham muito isso. O que existia eram programas de culinária – que ensinavam receitas. O que tinha era a Palmirinha. Aliás, eu era muito fã. Fazia todas as receitas. Era demais. Quem chega pensando no glamour se frustra. É uma profissão em que você trabalha muito, que você precisa deixar muitas coisas de lado.
Por que ter uma equipe totalmente feminina?
Abdiquei da minha vida social por conta da profissão. E, no dia a dia, quem estava comigo eram homens. Eles eram meus amigos, mas eu sentia falta desta conversa feminina, dessa troca entre as mulheres. Quando eu abri o Nelita, e o nome é uma homenagem à minha mãe, quis trazer esse ambiente feminino. O que eu não tive no meu início, quero proporcionar para as outras meninas.
Além da questão pessoal, tem o fator ideológico?
O meu desafio é o de formar mulheres líderes. Eu vejo uma onda bastante grande de mulheres na cozinha, mas não consigo enxergar muitas mulheres na liderança, no topo.
Qual a importância dos prêmios para você?
Elas são importantes para um chef. Mas é muito importante para o negócio. Ele precisa ser rentável para você conseguir pagar bem os seus funcionários. E também acho importante para o reconhecimento da equipe. Vejo minha equipe feliz com o reconhecimento.
Ser jovem é um problema na gastronomia?
Eu estou com 35 anos, que completei agora em Setembro. Isso, infelizmente, é um fator – tanto no meio da gastronomia quanto para os clientes. As pessoas ficam desconfiadas. Todo mundo me enxerga como sendo muito nova. Até hoje falam isso: ’ah, mas ela é tão nova’. Esse ’ela tão nova’ faz com que você tenha sempre que estar provando algo.
Como é o menu degustação do Nelita hoje?
Ele é inspirado em um quadro do Di Cavalcanti chamado Cinco Moças de Guaratinguetá. Sou de Guará, vim de uma família de muitas mulheres e tenho uma cozinha feminina. As cores deste quadro estão todas representadas neste menu. Quis usar produtos do Vale do Paraíba, da Serra da Mantiqueira...Também é um menu que conta muito a minha história.
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