Nelson Rodrigues gostava de repetir que a televisão é um afrodisíaco, mas a partir de hoje é o dramaturgo carioca, que se estivesse vivo faria 90 anos, a grande atração das telas da Rede Globo. Para comemorar a data, a emissora exibirá, hoje e nas duas próximas terças, o filme Traição, produzido em 1997 pela Conspiração Filmes. Trata-se da primeira obra realizada pela produtora e está didivida em três episódios, cada um dirigido por um diretor diferente. O que vai ao ar hoje é O Primeiro Pecado, dirigido por Arthur Fontes. Conta a história de Mário (Pedro Cardoso), no momento em que é abordado por Irene (Fernanda Torres). A moça lhe pede informações sobre uma linha de ônibus. Os dois passam a se encontrar, mesmo sendo Irene casada. Os diálogos e o final inusitado dão o tempero tipicamente rodriguiano. No dia 6 de agosto é a vez de Diabólica, dirigido por Cláudio Torres, um caso de traição entre o noivo Geraldo e sua cunhada Alicinha. Diabólica rendeu a Torres, filho de Fernanda Montenegro e Fernando Torres, o prêmio de melhor diretor do Festival de Brasília de 1998. A história de Alcides, um esposo muito devotado que flagra a mulher na cama com o amante, é o último episódio, Cachorro!, com direção de José Henrique Fonseca Mulher atormentada - Além de Traição, um dos mais conhecidos folhetins de Nelson será reprisado pela Globo de 20 de agosto a 13 de setembro. Mantendo-se fiel à estética e ao espírito suburbanos de seu universo, Engraçadinha revelou duas grandes intérpretes de personagens rodrigueanas: Alessandra Negrini e Cláudia Raia, ambas vivem a protagonista que dá título à minissérie. Engraçadinha foi exibida nos meses de abril e maio de 1995 e foi adaptada por Leopoldo Serran com a colaboração de Carlos Gerbase. O folhetim originalmente apareceu no extinto jornal carioca Última Hora, entre agosto de 1959 e fevereiro de 1960. Os especialistas na obra de Nelson o consideram o melhor texto do escritor no gênero, tanto que logo foi publicado em livro. O folhetim não se resume apenas à história de uma mulher atormentada. Nelson traçou um impiedoso quadro moral da classe média brasileira entre as décadas de 40 e 60. Na primeira parte, que se passa em Vitória (ES), aparece a família tradicional apoiada no patriarca Dr. Arnaldo. Seu xodó é a filha Engraçadinha, noiva de Zózimo, mas apaixonada pelo primo dela, Sílvio, por sua vez noivo de Letícia, a melhor amiga de Engraçadinha. O enredo tem um cenário cheio de tias e um pano de fundo religioso, com a trama terminando em tragédia, e saltando para a década de 60. Nessa época, mais velha e mãe de filha, casada a contragosto com Zózimo, Engraçadinha julga ter enterrado o passado na religião. Nelson Rodrigues repetia muito que é perigoso mexer nos subterrâneos da alma. Foi justamente isso o que ele fez em seu teatro e nos inúmeros textos que deixou em quase todos os gêneros. Moralista - em sua obra os palavrões são raros -, Nelson custou a ser compreendido e teve muitas dificuldades em ser adaptado. Em Traição e Engraçadinha, Nelson não só foi transposto com fidelidade, como se mostra - no ano passado houve mais de 20 montagens de suas peças nos palcos brasileiros - um dos maiores intérpretes da sociedade brasileira, a ponto de se tornar aquela unanimidade que ele tanto rejeitava.
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