Ácido, pervertido, brilhante, amistoso. Longe de provocar os mesmos adjetivos nas pessoas que entrevista, David Letterman está de volta aos lares do Brasil, com o seu Late Show, exibido pela CBS nos Estados Unidos. O programa vem para ficar por, pelo menos, mais dois anos, no cardápio do GNT (Net/Sky), que o exibe a partir de segunda até sexta, às 23h30. O ator Keanu Reeves (Caçadores de Emoção, Matrix) e o comediante Eddie Brill são os convidados do programa de hoje, que marca o retorno do apresentador. Foram três meses de sofrimento para os fãs brasileiros, responsáveis por uma temporada de sucesso do talk show, encerrada em outubro do ano passado, quando foi extinto o Superstation. A equipe do canal recebeu mais de mil e-mails desde então, nenhum deles lamentando o fim da emissora - todos clamando pelo retorno de Letterman. Para o público órfão, uma das compensações é assistir a programas mais fresquinhos - a defasagem em relação ao que for apresentado nos Estados Unidos será de apenas um dia. É o que promete, para as próximas semanas, a diretora do GNT, Letícia Muhana. "Só sacaremos programas mais antigos do estoque quando eles eventualmente interromperem a programação", afirma. O canal desembolsou US$ 200 mil para exibir o Late Show até o fim de 2002. "É barato no preço unitário e caro no volume total", diz Letícia, que acredita ter levado vantagem na barganha por causa dos antecedentes comerciais entre a CBS e a Globosat, programadora do GNT. Havia outros interessados no programa. "Nosso pacote de aquisições influenciou muito. Compramos o 60 Minutes desde 1992." Lembre-se que o Multishow, outro canal Globosat, passa a exibir o reality show Survivor, também produzido pela CBS, a partir de 8 de março. De qualquer modo, não há dúvidas, dentro do GNT, de que o investimento valerá a pena. Quatro cotas publicitárias foram colocadas à disposição dos anunciantes que queiram se filiar à irônica imagem de Letterman. O preço, R$ 100 mil mensais por cada cota, é classificado como "generoso" pelo Departamento Comercial da Globosat. O maior ganho, no entanto, será a fidelidade da audiência. É até de se esperar que os brasileiros curtam o programa. Afinal, as personalidades do show biz qua aportam no Teatro Ed Sullivan, na Quinta Avenida, em Nova York, para servirem de alvo às chacotas do entrevistador não são estranhas por aqui. O impressionante vem de fanatismos, como o praticado por uma jornalista paulistana, que, inscrevendo-se na lista para assistir ao talk show da platéia, recebeu a intimação seis meses depois. Só que o convite era válido para dali a dois dias. E lá se foi ela, feliz da vida, para Nova York sentar-se na primeira fila. "Com certeza, o Letterman vai dar um trilho importante no nosso prime time, aposta Letícia Muhana. David Letterman tem 53 anos a nasceu em Indianápolis, onde estreou na TV apresentando boletins meteorológicos. Foi comediante em Los Angeles e atuou em sitcoms - o mais famoso foi Mary, estrelado por Mary Tyler Moore (do filme Gente como a Gente, dirigido por Robert Redford) - até conseguir um horário matutino na NBC, em 1980. Não deu certo, apesar dos elogios da crítica, e acabou sendo jogado para a 0h30, depois do Tonight Show, de Johnny Carson, que reinou nas noites da América por 30 anos e muito ensinou a Letterman e a Jay Leno, seu principal concorrente. Chegou a substituir Carson algumas vezes. Mas quando disputou com Leno o horário deixado pelo decano apresentador, perdeu e, em 1993, foi para a CBS, onde até hoje apresenta seu Late Show, com músicos de jazz, piadas corrosivas e sempre um bom cast de entrevistados, bem ao modo do brasileiro Programa do Jô (ex- Jô Onze e Meia), que Jô Soares não admite ter sido inspirado em Letterman. Aliás, até que não são tão raras as tangentes brasileiras ao Late Show, começando pela carioca Andrea Sande, uma das "escadas" de Letterman para a parte cômica do programa. Pelo menos nos últimos dois anos, três nomes do País sentaram no sofá do apresentador. A modelo Gisele Bündchen, o piloto Gil de Ferran e a atriz Fernanda Montenegro, que lembra com detalhes daquele 9 de fevereiro de 1999. "Fui com Lúcia Guimarães, do Manhattan Conection, Michael Barker, produtor da Sony, e Fernando Torres", conta. "Eu estava apreensiva porque sabia a barra que iria enfrentar. Mas, assim que pisei no palco, vi que fiz uma avaliação precipitada. Ele me beijou e foi muito delicado." Ganhador de nove prêmios Emmy, Oscar da TV americana, Letterman é megalômano em tudo. Tem uma equipe de Fórmula Indy (Rahal Racing) e comprou um hotel de 20 suítes numa ilhota da América Central para transformá-lo em casa de praia. Em janeiro, foi internado com problemas no coração e recebeu cinco pontes de safena. Fez uma ponta no filme O Mundo de Andy, de Milos Forman, que também explica seu jeito de ser. Na cena, o personagem de Jim Carrey apanha de um brutamontes em pleno Late Show. Letterman olha-o e dá uma discreta risadinha. É assim na vida real: o apresentador castiga seus convidados, mas o público se diverte.