THE WASHINGTON POST O rato-toupeira talvez não seja muito bonito de se olhar, mas tem muito a dizer. Esses roedores enrugados e bigodudos, que, assim como muitas formigas, vivem em grandes colônias subterrâneas, têm um repertório vocal elaborado: eles assobiam, trinam, gorjeiam, grunhem, e soluçam.
Quando dois ratos se encontram em um túnel escuro, eles trocam uma saudação padrão. “Eles fazem um chiado suave e depois um chiado suave repetido”, disse Alison Barker, neurocientista do Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro, na Alemanha. “Eles conversam um pouquinho”.
Escondida nessa troca diária está uma riqueza de informações sociais. Barker e seus colegas descobriram isso quando usaram algoritmos de aprendizado de máquina para analisar 36 mil sons registrados em sete colônias de ratos-toupeira. Não só cada rato tinha sua própria assinatura vocal, mas cada colônia tinha seu próprio dialeto, que era transmitido culturalmente por gerações e gerações. Em tempos de instabilidade social – como nas semanas após a deposição violenta da rainha de uma colônia – esses dialetos coesos se desfaziam. Quando uma nova rainha começou seu reinado, um novo dialeto apareceu.
“A chamada de saudação, que eu pensei que seria bem básica, acabou ficando incrivelmente complicada”, disse Barker, que agora está estudando os muitos outros sons que os roedores fazem. “O aprendizado de máquina meio que transformou minha pesquisa”. Os sistemas de aprendizado de máquina, que usam algoritmos para detectar padrões em grandes coleções de dados, têm se destacado na análise da linguagem humana, dando origem a assistentes de voz que reconhecem a fala, softwares de transcrição que convertem fala em texto e ferramentas digitais que traduzem entre linguagens humanas.
Nos últimos anos, os cientistas começaram a aplicar essa tecnologia para decodificar a comunicação animal, usando algoritmos de aprendizado de máquina para identificar quando os ratos estão estressados ou por que os morcegos estão gritando. Projetos ainda mais ambiciosos estão em andamento – para criar um catálogo abrangente de cantos de corvos, mapear a sintaxe das cachalotes e até mesmo construir tecnologias que permitam aos humanos responder.
“Vamos tentar construir um Google Tradutor para animais”, disse Diana Reiss, especialista em cognição e comunicação de golfinhos no Hunter College e cofundadora da Interspecies Internet, um think tank dedicado a facilitar a comunicação entre espécies. O campo é novo e muitos projetos ainda estão na infância; a humanidade não está prestes a ter uma Pedra de Roseta para os cânticos das baleias. Mas o trabalho já está revelando que a comunicação animal é muito mais complexa do que parece ao ouvido humano, e o debate está fornecendo uma visão mais rica do mundo além de nossa própria espécie.
“Acho realmente intrigante que as máquinas possam nos ajudar a nos sentir mais próximos da vida animal, que as inteligências artificiais possam nos ajudar a perceber as inteligências biológicas”, disse Tom Mustill, cineasta de vida selvagem e autor do livro How to Speak Whale. “É como se tivéssemos inventado um telescópio – uma nova ferramenta que nos permite perceber o que já estava lá, mas não conseguíamos ver antes”.
Escuta avançada
Estudos de comunicação animal não são novos, mas algoritmos de aprendizado de máquina conseguem identificar padrões sutis que podem escapar aos ouvintes humanos. Por exemplo, os cientistas mostraram que esses programas conseguem assinalar as vozes de animais individuais, distinguir entre sons que os animais fazem em diferentes circunstâncias e dividir suas vocalizações em partes menores, passo crucial na decifração do significado.
“Uma das coisas ótimas do som dos animais é que ainda existem muitos mistérios e que esses mistérios são coisas às quais podemos aplicar computação”, disse Dan Stowell, especialista em escuta de máquina da Universidade de Tilburg e do Centro de Biodiversidade Naturalis nos Países Baixos.
Vários anos atrás, pesquisadores da Universidade de Washington usaram aprendizado de máquina para desenvolver um software, chamado DeepSqueak, que pode detectar, analisar e categorizar automaticamente as vocalizações ultrassônicas de roedores. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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