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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|A feira do livro de Ribeirão Preto e a época em que o interior era repleto de rivalidades

Bauru x Marilia, Jau x Pederneiras, São Carlos x Araraquara, Marilia x Tupã e assim por diante. Campinas sempre dizia que corria sozinha, não era ‘interior’

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Foto do author Ignácio de Loyola Brandão

Para Laura Abbad, Cintia Sicilin e suas companheiras

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Não sei a quantas feiras do livro de Ribeirão Preto já fui, ela que funciona há décadas. Dez, doze? Eu, de Araraquara, que fica vizinha, invejava. Ribeirão, a metrópole onde o pessoal abonado de minha cidade ia fazer compras. O interior, em minha juventude, era repleto de rivalidades. Bauru x Marilia, Jau x Pederneiras, São Carlos x Araraquara, Marilia x Tupã e assim por diante. Campinas sempre dizia que corria sozinha, não era “interior”.

Até o dia em que Ribeirão Preto me chamou e me achei Machado de Assis. No ano seguinte, repiquei e me achei Graciliano Ramos. Outras vezes me vi Érico Verissimo, Fernando Sabino, Lygia Fagundes Telles. Ao ser chamado agora, entrei como eu mesmo. Carreguei três colegas: uma labirintite, uma gripe e um andar vacilante, além da bengala. Mas descobri os bastidores que fazem tudo funcionar. Uma frente única de jovens, atentas a tudo, que me levavam pelas mãos, o tempo inteiro. Tinha sede? A água surgia em um segundo. Queria café? Em um minuto tinha um cappucccino e um pão de queijo. Na hora de comer, duas ou três jovens surgiam do nada, me colocavam em um carro e íamos almoçar. Eu quis ver o show de Dori Caymmy e me vi levado à primeira fila. Encanto, potência e humor em um homem de 80 anos, à frente de um show de duas horas, impecável. Já estive em dezenas de bienais por este Brasil. Raras vezes vi tanta eficiência. Cuidadoras me levando pelas mãos, olhando o chão e avisando: buraco, degrau, rampa, sarjeta.

10.ª Feira Nacional do Livro em Ribeirão Preto, em junho de 2010. Foto: Luis Cleber Martines/FotoRepórter/AE

Atravessei os dias sem cair, sem incidentes, passado de uma a outra mão, mãos que evitaram quedas, tropeções, esbarros, choque com os outros. E como a feira estava lotada! Aquele grupo anônimo, fiel, que me cuidava, rompeu minha carapaça, a “vergonha” de não ser independente. Nunca imaginei que viria a depender tanto de mãos amigas.

Os livros estarão lá, até esse domingo. Esta feira de Ribeirão me libertou a cabeça. Desde que perdi o equilíbrio para andar, tinha vergonha, não me expunha, vaidoso. Aprendi a aceitar a mão que me leva. Os nomes destas jovens não estão no catálogo. Mas garantem o funcionamento de um evento.

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Já vi muitos e muitos shows, mas o de Dori teve um acréscimo. Os intérpretes de libra executavam coreografias expressivas com as mãos e o corpo, acompanhando as letras. Assim tínhamos no palco dois espetáculos, algo raro e lindo. Assim corre até hoje a feira de Ribeirão Preto.

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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