Chegava gente. Lena e Brito, garçons, iam colocando mesa junto a outras mesas, até que uma extensão inteira da parede do Vianna se viu tomada. Bebíamos, ríamos e lembrávamo-nos de Helena, e dizíamos que aquela era a única forma correta de homenagear a mulher, conhecida como uma das “avós da razão”. Mulher que muito viveu, namorou, teve amigos, maridos, amantes, e celebrou cada segundo. Passados os 90, continuou a viver caleidoscopicamente.
Aquela noite do Vianna não se acabou. Continuará enquanto o bar existir e estivermos vivos, seguindo os preceitos de Helena. “Viver total”, como definiu Ygor Kassab, jovem autor fascinado por idosos que celebram a vida em toda a sua extensão. Helena e seu grupo foram felizes, riram da vida e de todos, rindo das regras, convenções, clichês e lugares-comuns. Aquela noite se repetirá, indefinidamente, como definiu Inimá Simões, mesa cativa no Vianna, autor de belo livro sobre as salas de cinema de São Paulo.
As avós da razão, cabeças livres “quebrando a cristaleira”, porque assim o fizeram a vida inteira, recusando serem “velhas” mergulhadas na solidão, solitárias, conformadas em suas casas de forma insensata, porque assim a sociedade exigia. Sociedade? Leiam maridos, irmãos, filhos, netos e amigos. Sempre riram quando eram chamadas de insensatas. Assim, vinho, cerveja, chope, margaritas e uísque foram as maneiras corretas de homenagear Helena, que partiu aos 94 anos. Ali estiveram as amigas de uma vida, sorridentes, gritando doidamente, doidivanas, todas “avós da razão”, repelindo a palavra idoso, dizendo-se “velhas mesmo”. “Odiamos esses chavões.”
Igor Kassab, apaixonado por essas avós e bisavós, reunidas em um ato ecumênico, estava lá, afinal, escreveu um libelo criando a expressão “Avós da Razão”. Como vimos esta noite, e as outras que virão, ergueremos brindes saudando Helena Wiechmann. Helena, que foi casada com o cenógrafo Carmélio Cruz, da Vera Cruz e do TBC. Foi amiga de uma vida de “top names” do cinema e do teatro, casou-se de novo, teve filhos, netos, sofreu as agruras de ser mulher livre, independente, vivendo como queria viver.
Viveu até os 94 anos, “invisível”, como todo idoso, achando que o melhor da vida é ser sozinha, independente, cheia de vida, tendo coisinhas para dar. “A sociedade não dá a mínima para nós”, dizia Helena. “Assim vivi, vivemos, como quisemos, e bem, cheias de amados e examados em torno. Sós, sem estarmos sós.” •
Helena Wiechmann muito viveu, namorou, teve amigos, maridos e amantes e celebrou cada segundo.
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