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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião | O Paribar é uma festa

Tudo começou quando um grupo de amigos começou a se formar, decidido a ir à Biblioteca Municipal Mário de Andrade para ver a exposição Zero: 40 Anos, com breves insights da minha vidinha. A exposição era a prévia da Segunda Festa Literária de Aquiraz, antiga capital do Ceará, que começa no próximo dia 19. Cada um de um ponto da cidade foi chegando, chegando, e se assustando, a exposição, que ocupava todo o hall de entrada, tinha desaparecido. Fala daqui, fala dali, fomos informados que, por questões de logística, os caminhões tinham levado a mostra embora no dia anterior, caso contrário não chegariam em tempo ao Ceará. Brincamos, desapontados: "Já vimos a exposição, agora fazer o quê?". Sábado de sol, centro da cidade, surgiu a ideia de rever o Paribar. A maioria do grupo tinha conhecido nos tempos áureos, quando era um mítico point de intelectuais, grã-finos e descolados. Demos a volta na Praça Dom José Gaspar e chegamos em tempo de conseguir as últimas mesas, uma vez que éramos 15. O garçom Silvio, experiente - com passagens por várias casas boas da cidade, eu o conheci do Plano's, o bar da Silvia Kowarick na Oscar Freire -, conseguiu acomodar daqui e dali e nos sentamos. Mal sabíamos que era a redescoberta do centro da cidade nos finais de semana. Paribar, uma lenda. Com suas cadeiras e mesas na calçada, lembrava os cafés de Paris. Instituição, bar da moda dos anos 1950, passou altaneiro pelas décadas seguintes até ser fechado nos anos 80, sendo reaberto por Luis Campiglia há uns oito anos. Reconstituído tal qual era, com dois ambientes, interno e externo, mesas e cadeiras na calçada, à la Saint-Germain. As cadeiras, confortáveis, são as mesmas, o toldo listado em verde e branco retornou. Ali se reuniam intelectuais como Sérgio Milliet, Paulo Emilio Salles Gomes, Arnaldo Pedroso Horta, Luis Lopes Coelho, Luis Martins - cronista da cidade neste jornal, antecedeu a todos nós, cronistas do Caderno 2 - e sua mulher Ana Maria, hoje da Academia Paulista de Letras, doce e generosa figura. Também havia gente do cinema como Anselmo Duarte, Fernando de Barros, Lima Barreto, Araçary de Oliveira, Marisa Prado, Tônia Carrero, empreendedores como Pedrinho Leardi e o criador do Masp, Pietro Maria Bardi, e a bela jornalista Yvonne Fellman, que os Diários roubaram da Última Hora. Ou Joe Kantor, um americano personagem da noite, criador do célebre Nick Bar, anexo ao TBC, e depois do Arpége, na Rua São Luis. Joe foi figurante em todos os filmes da Vera Cruz, namorou Sarita Montiel quando ela passou por São Paulo. Não consegui levantar a história do nome Paribar, mas me disseram, de orelhada, que aconteceu por aproximação com Paris. Paris bar. Paribar. Será? Campiglia conseguiu o impossível, fazer um mito regressar com o mesmo encanto em uma cidade onde o que morreu, morreu. O Paribar está vivo. Estávamos no lugar certo e sabíamos disso. As caipirinhas e caipiroscas coloridas por três limões, as cervejas geladas começaram a aparecer, vieram croquetes de carne, linguiças calabresas picantes, pasteis de carne e queijo. Éramos felizes e nos divertíamos ao sol que produzia uma luz de cinema nas árvores. A Praça Dom José Gaspar se encheu. Jovens por todos os cantos. Um bar ao lado trouxe música ao vivo. Um palhaço cheio de cores ia para lá e para cá, sorridente, ganhava um pastel aqui, um pedaço de sanduíche ali; um torcedor do Barcelona, comentava futebol; mulheres bonitas e feias; homens sarados como que saídos de academias; tipos estranhos, esquisitos, engraçados, passavam. Mulheres de bermudas, pernas morenas, decotes. Tatuados aos montes. O povo desfilava à nossa frente, a praça passarela. Vivi intensamente o centro quando cheguei a São Paulo, em 1957. Havia charme e glamour que se tenta reviver em novos termos. Se, antes, o Paribar era um reduto de ricos, grã-finos e intelectuais, hoje ele é de todos. Não é um lugar caro, na alucinação de preços e na apoteose mental que dominam hoje bares e restaurantes. Chegando, peça logo a bebida e a espera do que vem será amenizada. Naquele sábado, o que era frustração, a ausência da exposição, virou prazer, felicidade. Quem consegue isso vai viver mais tempo. Espero. *

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Por Ignácio de Loyola Brandão
Atualização:

PS: Impossível não copiar Hemingway no título.

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão
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