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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião | Para onde vão as coisas que se perdem não nos cadernos, mas dentro da gente?

Encontrei de tudo. Menos o caderninho do Werneck. E carrego imensa culpa, porque tenho medo de que naquele pequeno fólio esteja alguma revelação essencial sobre Drummond que a literatura vai perder por causa de minha memória

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Foto do author Ignácio de Loyola Brandão
Atualização:

Eu estava em Araraquara, Humberto Werneck me ligou: “Veja aí no hotel Municipal se esqueci em meu quarto uma cadernetinha de anotações”. O hotel encontrou. Tínhamos, na noite anterior, mantido uma conversa de hora e 40 na FliSol, Festa Literária da Morada do Sol, que girou em torno do livro em que ele trabalha, a biografia de Carlos Drummond de Andrade.

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Todos adoramos entrevistar Werneck. Você dá o mote e vai buscar o cachê, ele tem histórias, casos, memórias, leituras, loucuras, anedotas, o que for. Drummond é dos livros mais esperados há anos, pela paixão que o biógrafo tem pelo assunto, pelas décadas que vem pesquisando, pelo mundo de documentos, pelo número de entrevistas. Tudo indica que será obra definitiva. Tanto que Werneck desapareceu de todos os lugares, a começar pelo Martin Fierro, ou a Casa da Ana, brava argentina amada por todos nós da literatura e da gastronomia. Das pessoas mais resistentes que conhecemos.

Voltei a São Paulo com a cadernetinha do Humberto e a coloquei em alguma parte de meu estúdio. Agora, faz quase um ano que a procuro. E carrego imensa culpa, porque tenho medo de que naquele pequeno fólio esteja alguma revelação essencial sobre Drummond que a literatura vai perder por causa de minha memória fugidia. Alguma mania, pecado, maldade, imoralidade, aventura amorosa do poeta, um poema ruim? Alguma confidência, indecência, mau pensamento? Ou a coisa mais lírica jamais publicada na língua portuguesa e que seria revelada para assombro do mundo derrubando Fernando Pessoa ou Camões de seus pedestais?

Como sou acumulador, tenho milhares de cadernetinhas, bloquinhos, cadernos (adoro os Clairefontaine da França) recheados de tudo. Anotações de não sei quando, por quê. Observações como: Em uso a cor azul nas sobrancelhas. Drácula, bebida da moda, tequila, suco de tomate, tabasco, gelo. Fast-thinking, expressão de Kevin Carter. Tomboy=menina que prefere brincadeira de menino. Fone do Ivo Pitanguy: 247-49-26. Nicole Puzzi 246-56-30. Pensarão que é ele, mas sou eu. Ligar para Edinho Silva. Chamar urgente Roberto Ramalho. Morreu Laís, a mulher de olhos verdes da Avenida 15.

Encontrei de tudo. Menos o caderninho do Werneck. Tenho fugido dele, o quanto posso. Para onde vão coisas perdidas? E as que se perdem não nos cadernos, mas dentro da gente?

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O escritor Humberto Werneck Foto: JF Diorio/Estadão
Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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