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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião | Análise: Quando os gols têm a cor grená

Não tinha visto nenhum jogo da Ferroviária neste retorno à elite do Paulistão, após 20 anos. Tive receio quando o Módulo, um amigo que tem camarote na Arena Allianz Parque (não me conformo, continuo a achar o nome Parque Antártica mais poético, histórico) me convidou para o jogo de domingo passado.

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Por Ignácio de Loyola Brandão

Quando o time grená entrou em campo, fiquei tenso, me deu ‘nos nervos’, como se diz em Araraquara. Fiquei esmagado pela beleza do campo, pela luz, som, barulho da torcida. E olhe que não tinha tanta gente. Pensei, estamos perdidos, seremos esmagados. Pensamentos arcaicos. O jogo começou e de repente percebi quem que tinha o domínio da bolo e do jogo era a Ferroviária. Bola de pé para pé. Onde tinha visto isso? O que não ousei pensar, o Antero Greco e o Juca Kfoury disseram por mim: tinha algo do Barcelona na AFE. Fui me acalmando, consegui assistir o jogo sem medo. Vencemos e imaginei, poderíamos ter vencido por mais. Coisa de fanático, claro.

No curso cientifico no colégio em Araraquara, um companheiro de classe se chamava Bazani. Titular da Ferroviária por anos, batia uma falta em curva indefensável. Hoje, falecido, ele tem um busto de bronze na entrada da Arena da Fonte (prefiro Estádio da Fonte Luminosa, sou implicante) em Araraquara. Quando vou assistir jogo ali, passo pelo busto, acaricio a cabeça do Bazani. Deu sorte todas as vezes. Desta vez, não havia meu amuleto, mas havia o time montado por este Sergio Vieira. Não precisamos viver de passado, pensar Dirceu, Pio, Rossi, Galhardo, Machado e tantos outros. O presente é estruturado. Para mim, dá sorte também comer amendoim torrado, ou aquela pipoca japonesa colorida, no momento em que a AFE ataca. Superstição que também dá resultados.

Busto de Olivério Bazani em Araraquara Foto: José Patrício

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Pelo meu time, junto com meu pai, apanhei em Batatais das ‘Mulheres Torcedoras’, senhoras maduras que nos bateram com sombrinhas. Levei ovos podres na cabeça, em Barretos. Era uma tática da torcida, jogar ovo podre, fedorento, na torcida rival e no time. Vi num jogo o Olten Aires de Abreu dar três pênaltis contra o time rival, se não me engano, o América de Rio Preto, eterno adversário. Todos os três foram perdidos. Então, Olten não se conteve: ‘quem perde três pênaltis, merece perder o jogo”. E deu um contra nós. Mas me comoveu ver o velho Comendador D’Abronzo chorar ao meu lado no alambrado do Pacaembu, em noite chuvosa de 1966, quando a Ferroviária venceu o XV de Piracicaba por 1 x 0, voltando à primeira divisão.

Tenho medo que algum time grande, cujo técnico esteja com a cabeça a prêmio, vá buscar o nosso Sérgio Vieira. Tenho medo que os chineses que andam comprando tudo, cheguem a Araraquara com potes de dinheiro e levem os nossos jogadores. Espero que se isto acontecer, os nossos japoneses, que dominam as sorveterias da cidade, impeçam o saque.

Para finalizar, conto que em Berlim, na Alemanha, onde morei algum tempo, havia uma bandeira que chamava a atenção de todo mundo. Era grená e nela estava escrito AFE. ‘Que país é este?’, indagavam, curiosos. Um país que é cheio de altos e baixos, mas que me deixa feliz, respondia. E nada mais explicava, era uma coisa entre eu e o meu eterno time.

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Opinião por Ignácio de Loyola Brandão
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