Vivemos tempos difíceis. De resistência, resiliência. Esses quase dois anos marcados por tantas perdas, mais de 620 mil vidas ceifadas, privações materiais. Muitos setores afetados, famílias inteiras devastadas. A humanidade assombrada por um mesmo mal, em alguns lugares do Planeta, por alguns “maus”.
Diante de tanta privação, algo esteve presente em nossas vidas, mesmo que subliminarmente, mesmo que negando, ela estava lá: a manifestação cultural. Em cada casa, em cada quarto, em cada confinamento, entre muitas paredes, sem paredes, num cantinho qualquer, ela estava lá, quer dizer elas estavam lá: algumas das tantas manifestações artísticas. A música, o livro, o filme, aquele quadro, aquela escultura, aquele “teatro”, show, circo , on-line. Elas estavam lá, eles – os artistas - estavam lá fazendo arte para nos acalentar, acarinhar, respirar enquanto aguardávamos o controle da pandemia.
Nesse período, percebemos o óbvio. Não conseguimos viver sem cantar, ouvir, dançar, ler, assistir histórias contadas ou cantadas por outros.
E enquanto esperávamos, na alegria ou na dor, uma arte maior, a “arte da ciência” trabalhava por nós. Homens e mulheres, incansavelmente, trabalhavam por nós. As vacinas chegaram. E finalmente nos sentimos mais seguros para sair!
Há três meses foram reabertas as portas dos teatros, museus, casas de shows, galerias, lonas e o público, sedento, compareceu. Talvez não na quantidade que esperávamos, mas foi um grande passo para a retomada. Produtores e agentes das artes, regidos pelos protocolos de segurança, conseguiram colocar muitos de seus projetos culturais em cartaz, empregando centenas, milhares de profissionais da cultura, o que, por si só, já foi um grande feito.
O resultado foi positivo. Não conheço nenhuma produção que tenha interrompido sua temporada devido ao contagio por covid em suas equipes.
Existem fantasmas que assombram a temporada 2022 de teatro, de shows e tudo que envolva o coletivo. A variante Ômicron é uma delas. A verdade é que ela está por aí, mas também é verdade que a dose de reforço evita casos mais graves da covid. Existe ainda o surto da variante da gripe H1N1 que tem feito cancelar sessões na Broadway e em partes do hemisfério norte, onde o frio impera.
Para nossa sorte, o inverno por aqui vai demorar e esperamos que até lá a dose de reforço tenha alcançado a maioria dos brasileiros. Acredito nisso.
A prevenção pode evitar, dessa vez, que se fechem o comércio, a indústria, as portas dos teatros, cinemas, museus, galerias de arte, casa de shows, locais que tem se empenhado em cumprir os protocolos, a despeito de outros locais e eventos que desrespeitam as regras, colocando em risco todo o processo.
O setor cultural já programou suas estreias para o próximo ano para que o público possa desfrutar de todas as suas manifestações artísticas, com respeito, segurança e torcer que essa nova variante não se torne maior que nossa consciência. Vamos fazer o que tentamos ensinar para nossas crianças: a lição.
Estamos trabalhando com otimismo para voltarmos a ser a grande indústria do entretenimento da América Latina que sempre fomos. Queremos nossos profissionais empregados e nosso público nas plateias, assim como a CBF quer seu público nos estádios de seus campeonatos brasileiros e regionais, como os empresários do comércio e da indústria em suas lojas e serviços. Com uma diferença, caso a ciência nos alerte que o mal voltou, seremos o primeiro setor a interromper suas atividades e o último a voltar, exatamente como aconteceu agora.
Que em 2022 a empatia, a consciência, a compaixão e a generosidade sejam soberanas para vencermos o invisível e o visível que nos tiram a paz, o sustento, a cultura e, sobretudo, pessoas amadas.
* Célia Forte é dramaturga e produtora teatral
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