Heitor Villa-Lobos não era caprichoso. Se as mãos não eram capazes de seguir o ritmo frenético da mente ou se era desleixo puro e simples, isso ainda é tema de debate. Mas nas partituras do compositor, além dos garranchos muitas vezes incompreensíveis, é comum a ausência de informações precisas. Que nota deve ser tocada forte – e quão forte deve ser esse forte? Onde é preciso acelerar? E, para os intérpretes, não raro, um manuscrito pode se tornar um pesadelo.
“As notas estão ali, mas sem elementos que costumam ser fundamentais, como dinâmica, articulação, tempo”, diz a pianista Sonia Rubinsky. “As particularidades de muitas partituras exigem de quem as toca fazer algumas escolhas. Se você for seguir só o que Villa-Lobos escreveu, uma peça como o Concerto para Piano n.º 5 vira uma cacofonia, tudo muito forte. Então, como intérprete, você precisa encontrar algumas hierarquias. E aprender a ler o que ele escreveu. Ao só marcar ‘forte’ na partitura, ele poderia, na verdade, estar nos sugerindo a intensidade que via na obra.”
É justamente com essa peça que Rubinsky abre hoje, amanhã e sábado, na Sala São Paulo, a interpretação do ciclo completo dos cinco concertos para piano e orquestra do compositor, escritos entre 1945 e 1954. O projeto, com regência do maestro Roberto Minczuk, vai durar três anos. É um tempo longo, mas isso porque, além da apresentação e gravação das obras, Rubinsky está trabalhando em novas edições das partituras, em parceria com o Centro de Documentação da Osesp e o musicólogo Manoel Corrêa do Lago.

Não serão as primeiras gravações das peças. Há outros registros, gravados fora do Brasil, aos quais Rubinsky se refere como “biográficos”. Com isso, ela quer dizer que nasceram da vontade de registrar os concertos “porque eles existem”, sem a preocupação de estabelecer referências de interpretação das quais necessitam, por meio de uma nova edição das partituras.
Entre os registros, estão o do pianista Fernando Lopes com a Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas e o maestro Benito Juarez, nos anos 1980; o de Cristina Ortiz, com a Royal Philharmonic Orchestra, nos anos 1990; e o da Orquestra Sinfônica Nacional de Cuba, regida por Enrique Pérez Mesa, e um time de cinco pianistas, do início dos anos 2000. Do Concerto n.º 5, há ainda a gravação feita por Felicja Blumental e a Sinfônica de Viena, com o próprio Villa-Lobos à frente da orquestra, em 1955, quatro anos antes da morte do compositor.
Rubinsky tem no currículo mais de 200 obras para piano solo de Villa gravadas para selos como o Naxos. Em certo sentido, vê o trabalho com os cinco concertos como ponto de chegada da relação que desenvolveu com a sua criação.
“É uma obra multifacetada, lírica, expressiva e, ao mesmo tempo, marcada em alguns momentos pelo rigor rítmico, por uma tensão que vem do ritmo. Nos concertos 2 e 3, por sua vez, há muita dissonância”, diz. “São muitas cores, há muito virtuosismo. É fascinante.”
Osesp e Sonia Rubinsky
Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, 16. 5ª (27), 20h; 6ª (28), 14h30; sábado (29), 16h30. R$ 42 a R$ 295