O quarteto mais conhecido da história dos quadrinhos no Brasil - Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali – ganha um quinto elemento. O longa-metragem infanto-juvenil Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo, inspirado nos quadrinhos de Mauricio de Sousa, traz a personagem Milena, primeira protagonista negra da franquia. A estreia será dia 18 em cerca de 700 salas no País.
É a primeira vez da versão adolescente nas telonas. Os filmes anteriores Turma da Mônica: Laços (2019) e Turma da Mônica: Lições (2021) retratavam a infância das personagens. “Vou representar muitas meninas negras. A Milena é um grito meu para essas meninas, dizendo que sim, que a gente pode chegar a qualquer lugar. A Milena foi um presentaço” diz a atriz Carol Roberto ao Estadão.
Aos 18 anos, Carol já é uma multiartista. Ela é atriz de cinema, teatro e TV, cantora (mais de dez singles lançados, reunindo mais de 70 mil seguidores no Spotify), dubladora (Menino Maluquinho e O Rei Leão), além de ter participado do reality musical The Voice Kids, na Globo, em 2019. Mesmo com os avanços na representatividade negra, Carol cresceu com poucas referências, só mesmo a Princesa Diana, a única negra da Disney.
“Quando eu encontrei o Mauricio, eu peguei na mão dele e falei ‘muito obrigado por criar a Milena’. Ela vai estar na capa, com os personagens históricos”, comemora a jovem de 18 anos.
Filha de empresários – a mãe atua com importação de medicamentos e o pai tem um clube de tiro esportivo – a caçula de três irmãos vive com a família em Guarulhos, na Grande São Paulo. Sua vida é uma “loucura total” - ela fala colocando as mãos na cabeça - na tentativa de conciliar a carreira de artista, lapidada desde os cinco anos, e a vida escolar. A jovem terminou o Ensino Médio e vai cursar Publicidade e Propaganda na Faculdade de Belas Artes.
Milena não é a primeira negra dos HQs, como conta Mauricio de Sousa ao Estadão. “Logo que comecei, lá nos anos 1960, criei o Jeremias, garoto negro baseado em meus amigos de infância. Depois houve a Turma do Pelezinho, do Ronaldinho Gaúcho e Neymar. Essas turmas também tinham meninas. Mas faltava uma protagonista em que as garotas negras se reconhecessem”, diz. “A Milena foi resultado de muitos estudos para criar uma personagem representativa, que não reproduzisse estereótipos”.
Essa era exatamente a preocupação da professora Marcia Rangel Candido, subcoordenadora do Grupo de Estudos multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Independentemente da faixa etária, o grupo de meninas/mulheres negras permanece como o mais excluído nas narrativas dos longas-metragens brasileiros. Há, portanto, um avanço em vermos mais papeis que contemplem essas características sociais. Mas vale também destacar que esta inclusão precisa ser pensada de maneira positiva. Necessitamos combater estereótipos”, afirma.
Lembranças de Stranger Things e Harry Porter
Cheio de efeitos especiais que ajudam a compor uma atmosfera mística e sobrenatural no bairro do Limoeiro, além do estilo e traços que remetem aos mangás japoneses, o live-action vai fazer o público se lembrar de outras aventuras, acredita o diretor Maurício Eça.
“O filme tem um universo meio mágico, com um vilão sobrenatural, universo paralelo. Existem alguns elementos que se aproximam de Stranger Things e Harry Porter”, diz o responsável pelos mais de 5 milhões de espectadores de Carrossel: O Filme (2015) e Carossel 2: O Sumiço de Maria Joaquina (2016), títulos que mostraram o potencial do gênero infanto-juvenil no País.
O ponto de partida do roteiro retrata a transição para a juventude. No primeiro dia de aula do ensino médio, o novo quinteto descobre que o Museu do Limoeiro será leiloado e decide se unir em uma missão para tentar salvá-lo. Eles se deparam com segredos antigos e uma ordem secreta que insinua uma ameaça maior do que imaginavam.
Além dos perrengues do roteiro, os protagonistas enfrentam desafios reais. Os primeiros foram as comparações com os filmes de 2019 e 2021, com os personagens quando crianças. O filme recebeu críticas de fãs nas redes sociais que defendiam a continuidade do elenco mirim.
“Como é uma personagem icônica há 60 anos e com várias versões, todo mundo tem uma Mônica na cabeça! Por causa disso, rolaram muitas comparações e sofri hate. Mas eu me dediquei, me apeguei ao mangá e confiei na preparação de elenco que fizemos”, diz a atriz Sophia Valverde, que interpreta a Mônica depois de ser Poliana nas novelas de 2018 e 2022.
“Não viemos ocupar o lugar de ninguém. Eles são da turma clássica, nós somos da turma jovem. O universo tem espaço para todo mundo”, completa Carol, que também sofreu com as críticas. No seu caso, ela acredita em preconceito em alguns comentários. “Algumas pessoas disseram que a Turma da Mônica já tem pessoas negras. Mas um personagem é suficiente diante do tamanho da população negra do Brasil?”, questiona.
Eça reconhece que outro desafio é resgatar o hábito de ir ao cinema que ficou em segundo (ou terceiro) plano após a pandemia. “É um filme feito para a tela grande, para resgatar a experiência do escurinho e da pipoca. Estamos num momento de retomar a formação de público juvenil”, diz.
Com a sabedoria de quem está presente no imaginário de crianças e adolescentes há seis décadas e vende 12 milhões de gibis por ano, Mauricio de Sousa mantém o otimismo. “O cinema segue sendo a magia de viver uma história naquela tela grande com a reação de uma multidão junto com a gente! Essa experiência nunca vai acabar!”, diz. “Se você tem uma boa história pra contar, ela se adapta a qualquer plataforma”.
Negros deixaram posição secundária, diz especialista
“No início, era comum perceber figurantes carregados de estereótipos depreciativos, como lábios expressivos e arredondados. O próprio Jeremias, primeiro personagem negro de Mauricio de Sousa, passou por essa caracterização. Com o passar do tempo isso foi mudando, mas faltava ainda o que hoje se entende por empoderamento”.
A avaliação é de Rodrigo Sérgio Ferreira de Paiva, doutorando em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e autor da tese de mestrado Os donos da rua: representatividade racial e as transformações do protagonismo negro no universo Turma da Mônica (Selo Appris).
O estudo procura compreender, dentro de um contexto mercadológico, como se deu a transição da presença negra nos produtos editoriais da Mauricio de Sousa Produções, passando de uma posição secundária para o protagonismo. Mesmo sendo fã dos personagens, Paiva exercita sua capacidade crítica.
Em sua visão, um ponto de virada significativo na representação dos negros aconteceu em 2014, quando um estudante de Nova Iguaçu (RJ) chamou a atenção da mídia ao colorir os protagonistas de marrom, como protesto pela ausência de personagens negras com presença e protagonismo.
A transição veio com o projeto “Donas da Rua” que, em parceria com a ONU Mulheres, buscou uma nova forma de representação feminina. “A preocupação comercial e social da Mauricio de Sousa Produções viria na personificação de Milena, nova personagem apresentada para sanar a demanda”, afirma.
Hoje, tanto Jeremias como Milena costumam dividir os holofotes com os protagonistas originais, diz Paiva. “Nas redes sociais, a personagem Milena divide muitas opiniões positivas e negativas, por se tratar de um protagonismo “coagido”, comercialmente calculado e visto como pouco orgânico”, analisa.
* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Grupo de Estudos multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
dividerServiço
- Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo
- Estreia: 18 de janeiro
- Local: 700 salas de cinema no País
- Elenco jovem: Sophia Valverde (Mônica), Xande Valois (Cebola), Bianca Paiva (Magali), Théo Salomão, (Cascão), Carol Roberto (Milena), Carol Amaral (Denise), Bruno Vinícius (Jerê), Lucas Pretti (Titi), Giovanna Chaves (Carmem), Yuma Ono (DC), Mateus Solano (Licurgo), Eliana Fonseca (Tia Nena), Maria Bopp (Ana Paula), Rodrigo Fernandes (Falconi), Júlia Rabello (Dona Isabelle) e Ataíde Arcoverde (Lindolfo)
- Produtora: Bronze Filmes
- Coprodutora: Mauricio de Sousa Produções
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