Kevin Wilson narra vida paranormal de gêmeos no romance 'Nada Para Ver Aqui'

Influenciado por escritoras como Shirley Jackson e Carson McCullers, Kevin Wilson explora no livro o trauma na infância

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Foto do author Matheus Lopes Quirino

Os personagens de Nada Para Ver Aqui, do escritor norte-americano Kevin Wilson, 44, parecem ter saído de algum filme de David Lynch ou mesmo de A Fúria (1978), de Brian De Palma. São, sobretudo, as excentricidades que chamam a atenção. Lembram alguns protagonistas da escritora Carson McCullers (1917-1967), autora de um dos mais belos romances em língua inglesa, O Coração é Um Caçador Solitário, marco do gótico sulista. Wilson, em entrevista ao Aliás, assume sua paixão pela obra de McCullers (apelidada de freak quando jovem), que, segundo ele, “escreveu tão bem sobre se sentir esquisito e ainda assim não tornou as pessoas monstruosas”. Essa humanidade trabalhada em cima das imperfeições mostra o talento do autor ao retratar personagens à margem da sociedade. Em Nada Para Ver Aqui, o casal de gêmeos, filhos do senador Roberts, entra em chamas quando impactado por alguma anormalidade. Os gêmeos não se queimam, mas causam estragos ao redor e colocam em alerta a família, abastada, mas desestruturada. 

Como no romance de Wilson, o fogo é um mistério que intriga escritores e artistas, como o cineasta americano David Lynch, que fez série de esculturas sobre Foto: David Lynch

Essa condição excepcional que Wilson transporta para a literatura tem sido apreciada ao longo dos anos, com autores como Ransom Riggs, que escreveu sobre crianças paranormais em O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares. Wilson usa recursos do realismo mágico em seu romance e aborda questões de classe e de gênero para mostrar o pacto de duas amigas em uma relação tortuosa. Ao longo dos anos, cria-se um mito em torno de Madison, representante da cultura baseada na exploração e na crença das aparências. Seus romances, best-sellers nos EUA, costumam fazer sucesso em outras plataformas. Quero dizer, o romance de estreia Caninos em Família, foi adaptado para o cinema com Nicole Kidman e Christopher Walken. Seu romance, lançado agora no Brasil, Nada Para Ver Aqui, foi um sucesso como audiolivro. O quanto você se envolve nessas adaptações? Acho que os livros tiveram sucesso nessas outras mídias porque eu fui inteligente o suficiente para deixar as pessoas que pensam nessas plataformas assumirem o controle. Lembro-me de quando Nicole Kidman adquiriu os direitos de Caninos em Família: ela me perguntou se eu gostaria de escrever o roteiro, algo que eu nunca tinha feito, e eu declinei. Então ela conseguiu David Lindsay Abaire, um dos dramaturgos mais talentosos que conheço, para fazer o roteiro, e eu acho que foi uma escolha melhor. O mesmo com o audiolivro de Nada Para Ver Aqui, narrado pela atriz Marin Ireland, que fez mágicas com o texto.Como é assistir a uma história sua adaptada para o cinema ou ouvir um audiolivro? Que sensações despertam? Como alguém que ama filmes e ouve audiolivros constantemente, gosto da ideia de como o trabalho muda. Eu não sou preciosista sobre a minha obra. Um filme não é um livro e precisa ser adaptado para essa forma, então eu só quero que eles façam o que eles acham que vai funcionar. Se eles gostaram do livro, em primeiro lugar, acredito que podem tirar dele o que precisam. E é simplesmente mágico, como alguém que cresceu indo ao cinema, ver algo que você escreveu aparecer na tela interpretado por grandes artistas. 

A escritora norte-americana Carson McCullers, autora de 'O Coração É Um Caçador Solitário' Foto: Companhia das Letras

Em Nada Para Ver Aqui temos uma narradora, obsessiva e hilária. Como você conhece tão bem a cabeça de uma mulher? É possível um autor escrever a partir de um universo que, por mais próximo que seja, é diferente de sua perspectiva? Acho que, obviamente, como não sou mulher, corro o risco de errar. Mas, por alguma razão, sou atraído pela voz ou perspectiva de uma mulher, e tento o máximo que posso para tornar o personagem compreensível. Sinto que posso alcançar seu desejo, sua motivação, apresentá-lo claramente se o leitor me der o benefício da dúvida quando eu fizer algo errado. Então, não acho que seja impossível escrever fora de sua própria perspectiva, mas acho que ajuda perguntar o porquê você quer, o que isso faz pela história, por que é importante você tentar e depois estar aberto à possibilidade de errar. Quais são suas referências literárias? São Shirley Jackson e Carson McCullers, duas autoras que escreveram tão bem sobre coisas que importam para mim: isolamento, família, identidade, esquisitice, espaços limitados. Jackson me ajudou a entender que, às vezes, o assunto mais difícil e assustador é o que vive dentro de nós. Mas ela fez isso com humor e estranheza suficientes para parecer honesto. E Carson McCullers escreveu tão bem sobre se sentir esquisito, não se achar em seu próprio corpo, e ainda assim ela nunca tornou as pessoas monstruosas; ela afirmou sua humanidade, e isso foi extremamente importante para mim quando era jovem. Penso nelas quando tento imaginar uma história que quero escrever.Quais são seus rituais de escrita? Eu não tenho nenhum. Eu escrevo tão raramente. Acho que parte disso é porque sou pai e marido, e também ensino em tempo integral, por isso costumo não escrever muito. Eu não escrevo todos os dias. Em vez disso, escrevo na minha cabeça, repetidamente, até achar que sei o que preciso fazer, e então encontro tempo e escrevo. Acho que, quando as crianças ficarem mais velhas e não precisarem tanto de mim, vou encontrar uma rotina mais regular, mas, por enquanto, é assim que eu trabalho. Escrever é algo que sempre amei e nunca quis que parecesse uma tarefa. 

O escritor Kevin Wilson, autor de 'Nada Para Ver Aqui', que foi adaptado para audiolivro Foto: Buck Butler/Harper Collins

Para que o leitor brasileiro conheça um pouco mais sobre você, gostaria de saber o que o fez se tornar escritor. Como foi sua trajetória até a publicação de seu primeiro livro, Caninos em Família? Eu cresci em um lugar pequeno e rural, me sentia isolado do mundo, então os livros eram uma maneira de me conectar ao resto do mundo. Eu tinha medo de tudo, e os livros me ajudaram a superar esse medo, a tentar encontrar uma maneira de existir fora das histórias que eu lia. E assim, pouco a pouco, depois de tanto gostar de ler, quis tentar escrever. E a escrita me acalmou.Como assim? Escrever me ajudou a descobrir como permanecer vivo no mundo real. Mas. então, quando compartilhei meu trabalho com o grande público, comecei a conhecer outras pessoas que vivem pela literatura, e isso me levou aos meus amigos mais próximos. De muitas maneiras, publicar o livro é uma coisa misteriosa e já ganho apenas por escrevê-lo, então qualquer coisa que aconteça depois é apenas sorte.

A escritora Hilda Hilst nos anos 1980 Foto: Sala de Memória Casa do Sol - Acervo do Instituto Hilda Hilst

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Com quais autores da literatura brasileira você já teve contato? Bem, Clarice Lispector, que era brilhante. E eu li e adorei um livro de Hilda Hilst, traduzido para o inglês (The Obscene Madame D), que era diferente de tudo que já tinha visto. Mas acho que uma das grandes dádivas de ter meu livro publicado no Brasil foi conhecer o trabalho da minha tradutora de Nada para Ver Aqui, Natalia Borges Polesso (autora de A Extinção das Abelhas). Sua coleção de histórias, Amora, é absolutamente incrível.Vem livro novo por aí? Tenho um novo romance saindo nos Estados Unidos, Now is Not the Time to Panic, e então espero encontrar tempo para começar a trabalhar no próximo livro. 

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